PROJETO CAVALO DE TRÓIA
Em 1989 nascia o Além da Imaginação, um centro cultural muito incomum; diferente de outros em muitos sentidos. Baseado nas idéias pregadas por Monteiro Lobato, o qual considero um de meus mentores intelectuais, o Além foi delineado para ser uma “Casa de Saber”, uma idéia pregada por Lobato em seu livro (se não me falha a memória) “O poço do Visconde”, onde Pedrinho, Narizinho e Dona Benta discutem o que fazer com todo o dinheiro obtido na exploração do petróleo. As Casas de Saber seriam lugares onde as pessoas entrariam sem obrigação, para descobrirem o mundo e o porquê das coisas, por puro interesse em aprender ou curiosidade. Deveria ser um lugar para conversas ao pé do ouvido ou em grupo, debates e troca de idéias, cercados de livros, revistas e histórias. Um pouco de tudo deveria estar ali e para ali deveriam convergir todos os saberes, para serem devolvidos através da troca entre os participantes; uma idéia precursora da atual internet, com seus interlinks, chats, troca de imagens, trabalhos e exibição de manifestações culturais as mais variadas.
Mesmo com essa premissa tão “cultural”, o Além era diferente num sentido muito abrangente. Não se respirava lá aquele ar de - Shhhhhh!!! Não faça barulho!!, Não toque!, Não Corra!!, Não Grite (não se entusiasme demais)!
Os livros que lá se encontravam à disposição do público chamavam a atenção pela variedade altamente incomum. Em proporções quase equilibradas, nacionais e estrangeiros conviviam em harmonia, com assuntos que iam de história até a arte, de seriados de TV novelizados aos autores de ficção científica, de fantasia medieval às obras de autores eruditos, de ufologia a arqueologia, obras de medicina a livros de mistério.
E eles não estavam sozinhos. Faziam-lhes companhia os quadrinhos para adultos e adolescentes, numa época onde os quadrinhos ainda eram associados à perda de tempo e leitura barata para crianças. Neil Gaiman, Alan Moore, Herge, Bilal, Edgard R. Burroughs, Carl Barks, Eisner, entre outros tantos, divergiam sem a menor cerimônia de seus críticos.
Em sua companhia, vídeos, a maioria dos quais poder-se-ia classificar docemente de “incomuns”: seriados de TV que não se exibiam mais na televisão, mas que contavam com fãs cativos, vídeos de aventura, suspense e ficção ou na menos preconceituosa mas ainda excludente categoria, vídeos “cult” – aqueles que hoje conhecemos como “director´s cut”, que não chegaram aos cinemas como pretendia seu diretor. Era uma videoteca heterogênea, que propiciava grandes e interessantes discussões, numa época sem internet, sem TVs à cabo ou satélite.
E os jogos? Uma brinquedoteca diferente também fazia parte do local. Adolescentes e adultos eram os principais alvos. Mais de 400 jogos, entre tabuleiros e RPGs, de várias nacionalidades, estimulavam a leitura e a simulação de situações. Quantos novos leitores os RPGs formaram, pesquisadores da história e dos mais variados povos e hábitos?
Eventos, exposições, mostras, debates, festas temáticas, disputas acaloradas, conversas no fim da tarde, ponto de encontro dos criadores e suas criações completavam aquele lugar.
Foi nesse ambiente que nasceu o “Cavalo de Tróia”. Poucos foram os críticos de carteirinha, daqueles tradicionais, que conseguiram enxergar o que aquele centro cultural era, que se mostrava, inteiro, pleno de vida. Por fora, pura diversão, por dentro, puro estímulo à curiosidade, imaginação e criação. Um lugar onde um criador encontrasse guarida e seu trabalho fosse respeitado por outros, que vendo o que alguém criara, estimulado ficaria a fazer o mesmo.
Lucia e eu uma vez, quando perguntados sobre como se deveria considerar aquele prazeroso lugar de diversão cultural (cultura divertida, que sacrilégio não?), comentamos em resposta que enquanto aquele lugar fosse considerado apenas diversão, não incomodaríamos ninguém do establishment. O perigo seria se descobrissem que embaixo de todo aquele lugar de diversão e prazer, havia um conteúdo realmente cultural, que agregaria aos freqüentadores uma visão crítica anti-segregante, real sentido da manifestação pessoal, com a conseqüente quebra dos padrões pré-concebidos. Era um verdadeiro cavalo de tróia, atuando contra as muralhas da acomodação à rotina, o pensamento conformista e sem horizontes, instando todos a encontrar seus próprios caminhos. E assim nasceu o PROJETO CAVALO DE TRÓIA, um visão de como entregar cultura e conhecimento através da participação socrática no diálogo, com prazer e satisfação, estimulando a curiosidade e a continuidade da busca, em todos os participantes e aqueles a quem estes estivessem ligados.
Os adolescentes cresceram e viraram adultos, pais, empresários, profissionais, sonhadores e realizadores. E os adultos que lá estiveram encontraram sua própria sabedoria e rumo e agora passam-na para seus filhos.
A jornada continuou, os muros caíram e o lugar transmutou-se, tornando-se imaterial. E não poderia ser diferente, cumpriu sua função para aquela época, em 1997.
Em seu lugar hoje, 2006, há computadores pessoais que fazem tudo, a internet com suas áreas de busca, comunidades, messengers, troca de arquivos e rede de contatos; as TVs a cabo, que entregam todo o mundo nas casas das pessoas em tempo real (inclusive os velhos filmes que eram vistos no Além), as livrarias virtuais que despacham qualquer coisa, para qualquer lugar, por rede ou telefone.
Tudo se foi daquela idéia? Não. Continua o projeto “Cavalo de Tróia”, agora mais necessário que nunca, a derrubar os muros da falta de imaginação, criatividade, ignorância e ausência de alternativas, utilizando todas as atuais ferramentas disponíveis, mesmo aquelas que as pessoas ainda não descobriram sua real potencialidade, para através do prazer, encontrar as utilidades e usos para os conhecimentos que emergem todos os dias, vertendo-os em novas possibilidades.
2 Comments:
É! Fechei com cheve de ouro... entrei no blog e lí todos os textos desse mês. Lí de forma desordenada e esse foi o último... acho q foi mais legal ainda pq esse último texto me "soou" como uma mensagem estimulante principalmente quem ainda se encontra nos sombras da ignorância "imposta" pelo sistema !
Agora me veio a mente a frase : "Abaixo ao sistema", n]ão falo isso num sentido de "destruir tudo" e sim de "construir tudo" !
Parabéns pelos textos... todos são estimulantes... coentei apenas em alguns , volterei aqui pra ler os dos outros meses!
Como diz um poema de Luíz Antônio Gasparetto (poeta o qual eu so apaixonada... adoro muitas coisas q ele escreve!):
"A vida vai nos mostrando o que nós mesmos vamos criando com o nosso poder de crer !"
Muito bacana a proposta! Na obra de JRR Tokien, temos uma idéia semelhante a de Lobato, a "Casa de Vairë", destinado a ser um lugar de disseminação de conhecimento, um lugar onde se pode sentar, ouvir histórias e compartilhar narrativas! Deveríamos reviver esse hábito tão saudável, pelo bem da socialização das futuras gerações tão prezas aos apelos tecnológicos e afastadas dos mundos de fantasia!
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