Tive um amigo extraordinário.
Durante quase três décadas partilhamos nossos caminhos, sonhamos juntos, bebemos juntos, cantamos juntos. Partilhamos nossas descobertas e amores, as muitas dúvidas e algumas certezas, abrimos nossas mentes e almas e, inclusive, compartilhamos amigos.
Das inúmeras conversas, aprendemos a confiar a língua, a acolher os ouvidos, a compreender o olhar.
Tudo nele era sábio, porque manteve-se ao longo do tempo como curioso buscador, que apenas transigia, por amor, as limitações humanas, as incoerências dos queridos.
Gostava de cerveja quente, cantava mpb e era tremendamente habilidoso com as cordas do violão.
Coração e casa estavam sempre abertos, cada um era cada um, com suas histórias, dramas, felicidades. E assim seguiu amando a todos, julgando pouco, tentando ser feliz.
Não teve muitas posses, um apartamento de herança, livros, discos e o violão. Da profissão de psicólogo – claro, e o que mais seria ? – sustentava poucas contas, que às vezes, atrasavam.
Pouco ia ao cinema, ao teatro, então ..., não via televisão, nem sabia o que era moda ou caso passageiro de artista-celebração.
Gostava de estar com as pessoas, de com-versar, de ouvir os causos de cada um. Gostava de viajar, prá perto mesmo, que era o mais certo e melhor para entender os novos amigos que iria fazer. Não tinha computador, nunca entrou no orkut, mas sua rede de amigos era imbatível.
Partiu em 2001.
Disse-me que tinha muito trabalho a fazer do lado de lá e que seus compromissos aqui não faziam muito sentido. Voluntariou-se. Em seu período de coma transcedental os amigos reuniram-se, tantos, todos os dias, ansiosos, presentes, esperançosos de seu retorno, desejosos do seu ficar, resignados com seu partir.
Muitos não compreenderam aquela legião sempre presente, por dois meses, dedicando-se carinhosamente ao velho negro e pobre que deitado inerte, aguardava.
Para aqueles que não o conheceram, que não foram tocados por sua delicadeza, por seu estranho humor, por suas significâncias, para estes era mais um fracassado, quase um indigente.
Porém, para todos nós, ele foi e será sempre um objetivo. Sucesso total !
E o melhor, diria Chico, quanticamente, é que somos todos um e não há morte, só vida – eterno existir.
Lucia Vasconcellos Abbondati
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