REVISTA NOVA ESCOLA EQUIVOCA-SE SOBRE A LUDICIDADE
A prestigiosa revista NOVA ESCOLA de número 240, em sua matéria de capa "Idéias que jogam contra o ensino", marcou um retumbante gol contra ao afirmar ser um mito o fato de que “Os alunos aprendem mais quando a atividade é lúdica” (14a afirmação da lista, na página 43). Ela sustenta que “atividades dinâmicas e divertidas” não garantem necessariamente o esforço cognitivo, força de vontade, disciplina, concentração e dedicação em sala.
O que a revista não explicita, contudo, é qual proposição pedagógica garante todas as condições acima descritas! Há algum método educacional ainda não divulgado que as assegure peremptoriamente?
Causou-me espécie a revista exigir isto da ludicidade, desqualificanda-o sumariamente como recurso pedagógico, pois ao que me consta, não há qualquer consenso na pedagogia até o presente momento, sobre um método que ofereça tais garantias – muito pelo contrário. Tudo o que se percebe atualmente, com certeza, é que a aula tradicional já não garante nada disso.
Supor que o esforço, a força de vontade, a disciplina, a concentração e a dedicação obtidas pela ameaça da reprovação, serão suficientes para obter a apreensão de conhecimentos, é ignorar ou desconsiderar sumariamente a forma como o cérebro humano reage. Qualquer um que for instado a aprender para passar em provas, sem qualquer percepção de aplicabilidade do conhecimento recebido, interação direta ou interesse, tal como é feito hoje na maioria das escolas, obterá apenas uma brilhante nota no currículo, seguida pelo apagamento da informação em sua memória, no findar do período de testes. Terá um canudo na mão e uma cabeça vazia, já que a mente humana é extremamente eficaz no descartar de tudo o que não suscita envolvimento.
Desconsiderar o desejo e a curiosidade como molas mestras do aprendizado, tal como a matéria sugere ao desqualificar a ludicidade como meio de ministrar informação, é persistir no erro que vem levando o nosso ensino e o de muitos países, para o abismo. As afirmações do texto me lembraram o preconceituoso lema estampado na sala de aula do filme Mathilda: “Se você está se divertindo, é por que não está aprendendo”.
Mesmo a França que um dia já foi berço da educação, só faz afundar nas avaliações do Pisa, ao persistir na utilização dos mesmos princípios aplicados hoje em escolas brasileiras: aulas maçantes, onde o professor fala e os alunos devem escutar calados e imóveis em suas carteiras, um conteúdo pouco ou nada estimulante.
O aprendizado que conta com mais receptividade por parte dos alunos, é justamente aquele que propõe uma participação interativa, envolvente e prazerosa na relação com o conhecimento, pois a mente humana se mostra receptiva a qualquer tema que suscite interesse no indivíduo. Há inclusive uma área específica do cérebro com esta finalidade, o hipocampo, que atuando como detector de novidades, ativa o interesse e a atenção pela liberação de dopamina. Brincar com possibilidades é uma ação educacional efetiva, prazerosa e estimulante para alunos e mestres, que gabarita maior retenção do conhecimento recebido.
Não é preciso muito esforço para perceber a diferença que um pouco de interatividade produz no ensino. Basta pedir que cada pessoa se lembre das aulas que se tornaram relevantes em suas vidas, entre tantas outras, para que se descubra que o que as destacou das demais foi justamente alguma nova forma de interação proposta pelo mestre. Esta ação pode ter sido uma brincadeira, um novo ângulo de introduzir um conteúdo, uma abordagem inesperada pelos alunos ou um procedimento que implicava numa mudança no padrão formal de ensinar. Perceba então, que o que tornou tais conteúdos marcantes em sua memória, foi justamente aquilo que também apagou nesta, as demais aulas ministradas de forma tradicional.
Em vista do que já se consagra hoje no campo da neurociência do aprendizado, com a clara evidência da relação existente entre o prazer e a retenção do conhecimento, faz-se necessário uma urgente revisão dos conceitos (e preconceitos) sobre a ludicidade, para evitar que se continue propagando que esta é pouco útil como ferramenta de ensino.
Jogos, brinquedos, ferramentas e atividades lúdicas são sim, instrumentos de interação extraordinariamente úteis ao processo educacional, que podem e devem ser cada vez mais usados para aumentar a eficiência na transmissão de conteúdos.
Lucio Abbondati Junior
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