quinta-feira, junho 19, 2008

PATROCINADORES DA IGNORÂNCIA

O analfabetismo funcional tornou-se um grande problema mundial. Estima-se que só no Brasil, cerca de 68% da população economicamente ativa (dados do INAF), seja incapaz de ler pequenos textos. Some-se a isso 7% de analfabetos incapazes sequer de reconhecer uma só palavra e teremos 75% da população brasileira nesta grave condição. Pode-se imaginar, que esta situação fosse encarada como um sério problema, em virtude das gravíssimas implicações sociais que acarreta, motivando um amplo esforço conjunto de todos, na erradicação do mesmo.

Entretanto, esta posição não se mostrou unânime, uma vez que algumas empresas encararam a existência de tal contingente de iletrados, como uma potencial oportunidade para a obtenção de lucros, ainda que não admitindo isso publicamente. Elas reconheceram nesta situação, um nicho de mercado não atendido pela TV paga: o fornecimento de conteúdo voltado a atender ESPECTADORES ANALFABETOS.

Com este objetivo em foco, na expectativa de que os deficientes de leiturização ou incapazes simpatizassem com seu empenho na redução do conteúdo escrito na TV, estas empresas de comunicação partiram para a radical supressão das legendas em suas programações estrangeiras, a fim de marcar presença como canais “FACILITADORES PARA ANALFABETOS”.

A extinção da opção de legendagem foi feita de forma vertical, desabilitando-se o comando do menu que podia ser acionado no controle remoto dos aparelhos, mesmo em filmes onde a legenda já se encontrava disponível, afim de que não restasse qualquer dúvida na implantação de uma nova diretriz pró-iletrados. E que não se enxergue aqui, qualquer crítica à dublagem brasileira, que é uma das melhores do mundo e sim, a postura ditatorial de excluir-se os que preferem a legendagem.

Aos espectadores que se sentiram prejudicados, ofereceram três alternativas: assistir a programação no idioma original sem legendas, ouví-la obrigatoriamente dublada ou mudar de canal, alternativa que parece ter sido escolhida pela maioria da clientela desassistida.

Entre os canais que adotaram esta postura, o FOX CHANNEL destacou-se por seu marcado empenho na implantação da nova conduta, testando inicialmente a supressão das legendas em sua seção verpertina CINE-FOX SOFÁ. E foi provavelmente através dela, que o setor de marketing deve ter inferido que o número de iletrados brasileiros substituiria com folga, o de espectadores aptos a ler as legendas. Decidiu-se então, que era o momento para estender a medida a toda a grade, extinguindo-se compulsoriamente a alternativa de legendagem, sem qualquer aviso prévio, mesmo nestes tempos onde sabe-se que a TV digital permite claramente a coexistência de vários idiomas e legendas, como opções acessíveis ao consumidor.

A decisão desagradou os espectadores cultos, mas estes foram considerados irrelevantes, num descaso que provocou uma debandada em massa para canais que lhes tivessem mais respeito. Outras fontes alternativas também foram acessadas, como o download da programação que costumavam assistir, via internet, com os espectadores produzindo suas próprias legendas.

Numa clara demonstração de que consideram o analfabetismo, um grande filão a ser explorado, canais como a TNT, HBO FAMILY e SCIFI CHANNEL, entre outros, também fizeram de sua grade, um porto seguro para a ignorância, nivelando os clientes por baixo. Presume-se assim, que se o espectador é brasileiro, logo, deve ser ignorante...

Resta-nos acompanhar de perto este movimento e ver se a opção mercadológica de considerar todos os brasileiros analfabetos, mostrou-se ou não um passo acertado destes canais, em sua presunção de que nossa população será incapaz de erradicar a ignorância.

Lucio Abbondati Junior

MOMENTUM

Entre os chineses há uma velha praga rogada que a primeira vista parece uma benção: “Que você viva tempos interessantes” - diz o que roga, àquele que recebe. Pressupõe-se que uma vida feliz deva ser tranqüila, desprovida de sobressaltos e reviravoltas proporcionadas pelos tais tempos interessantes...

Chegamos então, a um momento em que vivemos tempos interessantes, cercados por sobressaltos e reviravoltas, obstáculos e crateras, com mudanças tanto bruscas quanto inesperadas, envoltas por “campos minados” que podem destruir a nossa segurança de uma hora para outra, num simples passo em falso.

Para muitos, são estes momentos realmente uma maldição, já que acostumaram-se à uma “vida feliz”, tranqüila e imutável, onde as coisas se dão de forma lenta e gradativa, permitindo-lhes ir se acomodando aos poucos aos solavancos da realidade. Nada mais desejam do que uma modorrenta jornada, desprovida de novas cores ou paisagens.

Para outros, contudo, são chegados os tempos interessantes! Imprevisíveis, misteriosos, cheios de riscos e oportunidades e por isso mesmo, fascinantes! Excitantes como uma onda após a outra no mar, para quem sabe estar surfando feliz. Para o que olha de fora, as ameaçadoras ondas parecem todas iguais, mas para quem lá está, são apenas diferentes oportunidades, momentos que valem a pena ser vividos.

A tecnologia nos alcança em todos os momentos de nossa história, seja a pedra afiada que foi transformada em faca de corte, a roda que nos permitiu a locomoção ou as engrenagens, parafusos e polias que criaram toda a sorte de invenções. Estamos para a máquina e a tecnologia, como estamos frente a frente às mudanças. E a todo o momento, houve resistências, as mais diversas e intolerantes. Resistimos às mudanças por que elas nos impõem o novo, o assustador desconhecido. – O que farei? Como procedo para lidar com isso? – são as perguntas que nos amedrontam. Assim foi na revolução industrial, com o advento das máquinas, que “vieram para roubar o emprego dos trabalhadores!!”, como gritavam os Luditas à época, tal qual gritam agora as empresas de hoje, que enxergam na troca de dados e mídias, um risco para seus bem conhecidos e habituais meios de ganho.

Vivemos tempos interessantes, e enquanto uns perdem dinheiro, outros ganham milhões, licitamente, exatamente por enxergarem nestas “ondas”, oportunidades as quais devem e procuram adaptar-se. Brigam em vão os que as combatem, esmurrando as ondas que vem e vão, cientes que seus murros atravessam a água, sem diminuir em nada o seu movimento. Pobres daqueles que assim vivem seus tempos interessantes. Vêem escorrer por entre os dedos, o ganho que se acostumaram a receber, sem notar os que passam ao seu lado, com um sorriso nos lábios, surfando sobre os lucros, sem tentar aprisioná-los.

O que difere a maldição da benção, resume-se apenas no olhar daquele que enxerga problemas, ao invés de oportunidades. São dois lados de uma mesma moeda.

Toda mudança pode ser problemática, se a premissa apenas for sentir-se seguro. Embora não haja nada mais seguro do que a morte, ninguém a deseja. Crescer é mudar, viver é lidar com fatos novos, conhecer e expandir horizontes – viver tempos interessantes.

As indústrias de música, assim como as do áudio-visual, as literárias e lúdicas, já perceberam que estão vivendo seus tempos interessantes e o vêem como uma maldição. Um tempo onde o seu produto tangível deixa de ser a prioridade, tendo seu lugar tomado pela virtualidade e pelo conceitual. Elas o combatem, esmurrando a onda inexorável como um insano que espera pará-la a socos e pontapés, tentando proteger, horrorizadas, o seu castelo de areia, que vai sendo desfeito. Enquanto o fazem, deixam de olhar ao redor e perceber que a graça da praia também está no aprender a nadar e surfar.

Steve Jobs nunca foi um gênio em eletrônica, mas foi ele que levou a Apple, ao sucesso que aí está. Sua genialidade sempre foi surfar sobre as ondas, sem tentar contê-las. Ele percebeu que as pessoas destes tempos interessantes, não compram produtos, compram acesso a satisfação pessoal de seus desejos. Em suma, um estado de espírito. Querem, a qualquer hora e lugar, ainda que virtualmente, ligar-se diretamente aquilo que lhes dá prazer (um filme, uma música, um texto, um convívio, um momento na história...).

Se todos buscam acesso, Jobs lhes promete exatamente isso. E mais, numa embalagem tão elegante, que até agrega status de descolado, ao comprador. Os outros vendem equipamento, sejam computadores, CDs, DVDs, celulares, etc. Ele? Não! Proporciona uma experiência sensorial. Se querem música em qualquer lugar do planeta, ele lhes dá o Ipod. Pediram para falar com alguém, enquanto escutam música, tiram retrato, navegam na rede e olham fotos? Um Iphone. Navegar na rede, processar imagem, ouvir música, ao mesmo tempo e no mesmo lugar que podem fazer um trabalho, numa linda peça que parece uma obra de arte? Um Mac. Se pedem para poder levar a qualquer lugar, sai de sua fábrica uma versão portátil, fina como um envelope. Se houvesse uma demanda para usar no mar, ele acabaria providenciando...

Timming, é a razão de seu sucesso. Ele provê acesso a tudo a que seus ouvidos e seu bom senso tiver percebido como necessidade, de quem busca prazer! E agora! Não num futuro distante, no campo da ficção científica. Ele sabe que o produto material tem dias contados, logo ele os valoriza muito (produtos Apple ainda são caros), mas os serviços que proporcionam, como disponibilizar música, por exemplo, saem por apenas alguns trocados. Quer que sejam desprotegidas contra cópias? Ele lhes dá! Claro, ele sabe que não há como impedir que sejam copiadas, logo, por que protegê-las em primeiro lugar? Prefere ser visto como aquele que pensou no usuário.

Recentemente, reclamaram do preço e da velocidade. Reação da Apple? Um novo Iphone com eficiência dobrada, mas pela metade do preço... Timming é tudo.

Enquanto isso, o resto da indústria passa como o “dinossauro” insensível que cobra muito e penaliza todos os que querem ter acesso. Pobre dinossauros, que assim como os animais de outrora, também estão fadados à extinção.

O que fazer então, ò dinossauro? Uma pausa para olhar ao redor já seria um grande progresso. Vivemos tempos interessantes. Buscar no cliente o que ele deseja, lidar com o problema como uma oportunidade e perceber novas soluções e combinações usando o bom senso, dá uma boa pista do caminho.

Diz a teoria da evolução, que aquele que está mal adaptado ao meio que vive, tende a desaparecer, em prol do melhor adaptado. Faria bem às empresas olhar mais para o consumidor final e perceber o que ele vem buscando. Chamá-los simplesmente de piratas e persegui-los, só os coloca na defensiva, na condição de um novo inimigo da “grande e malvada corporação”.

Por que então não olhar o que se está procurando ter acesso e tentar sanar esta necessidade, mesmo que seja para ganhar apenas alguns centavos de cada um? Isto provavelmente poria milhões a mais nos cofres da companhia, que do contrário, estariam irremediavelmente perdidos nas redes da WEB.

Não é à toa, que hoje o Google é a empresa mais valorizada do mundo, a que mais cresce no momento, com um plantel de serviços ao usuário que só aumenta ano a ano. O que ela vende, e por isso ganha tanto, nestes tempos interessantes? Nada tangível, apenas acesso. Ela, assim como Jobs, já entendeu.

E você? Como tem vivido seus tempos interessantes?

Lucio Abbondati Junior

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