sábado, abril 28, 2012

O BRASIL E O RACISMO COMO POLITICA DE ESTADO

Dentre todas as formas de discriminação que pode ser aplicada ao ser humano, o racismo é uma das que mais me repugna, pois classifica pessoas como inferiores levando em conta a sua aparência.
Julgar que alguém é deficiente, incapaz ou incompetente tomando como base a cor que este traz de berço, é característica própria de quem traz profundos recalques em seu caráter, fruto talvez da incapacidade de olhar todos os seres humanos como iguais. No fundo, tal conduta exprime de forma clara, a falta de ética e a admissão explícita do preconceito.
Na história da humanidade, a aparência, a origem, o sexo, a crença e a condição sócio-econômica de muitos seres humanos muitas vezes foram usadas como forma de discriminar, humilhar e subjugar parcelas da população, baseando-se na premissa de que alguns são, podem e devem ser considerados inferiores a outros.
Partindo da premissa de que são diferentes dos demais, judeus, negros, asiáticos, aborígenes, árabes, louras, nordestinos, homossexuais, indígenas, mulheres, obesos, serviçais e tantos outros grupos de seres humanos foram considerados inferiores em nossa história, apenas por que destoam em algum quesito do grupo que se encontra na hegemonia do poder.
Indo de um pólo a outro, não podemos deixar de lembrar que assim também já foram considerados igualmente inferiores os ocidentais (pelos russos da guerra fria), os soviéticos (pelos ocidentais), os brancos (pelos japoneses da segunda-guerra mundial), os cristãos (pelos radicais muçulmanos de hoje e pelos mouros do passado), os descendentes dos  italianos, alemães e japoneses (durante a segunda-guerra), os gauleses (pelos romanos), os chineses (pelos japoneses), os astecas, maias e incas (pelos espanhóis), os índios americanos (pelos que avançaram em direção ao oeste) e etc, etc, etc...
Somando-se os grupos descritos no parágrafo anterior com os do precedente, teremos então na história discriminatória da humanidade, praticamente todos os seres humanos enquadrados na categoria tanto de segregador quanto de segregado, mudando-se apenas o lado que está por cima, a impor o preconceito sobre os demais.
Eu, por exemplo, seria discriminado pelos japoneses em 45, pelos soviéticos da década de 50, pelos muçulmanos radicais atuais, pelos espanhóis de agora por ser latino-americano e mais presentemente, pelo Supremo Tribunal Federal de meu pais, que determinou que eu e tantos outros brasileiros deveremos entrar automaticamente com uma desvantagem de 20% em nossos pontos no vestibular para o acesso a educação superior, caso eu ouse procurar cursar uma faculdade pública. A mesma que paguei para existir através de meus impostos. O STF, tão magnânimo, ainda me confere o direito de custeá-la, mas dificulta o meu acesso a ela. De certa forma, é maravilhoso perceber como a discriminação não passa apenas de uma questão de perspectiva intencionalmente pervertida.
Biologicamente falando, o conceito de raça resume-se a uma abominação proposta por alguém que busca justificar a diminuição de outrem - algo eticamente indefensável.  Não somos todos seres humanos iguais em nossa condição física, a ponto de nosso sangue servir aos demais nas transfusões? Deveriam receptores de órgãos distinguir a etnia dos doadores, valendo-se de critérios raciais na busca por um transplante? Creio que não. A idéia de diferentes raças entre os humanos, não se sustenta na anatomia.
Por que então, insiste-se em legitimar a discriminação à força, agora sob chancela do Estado? Numa decisão inédita tomada pelo Supremo Tribunal Federal, este fez valer uma nova interpretação da cláusula pétrea da constituição nacional que trata da igualdade humana: admitiu ele a distinção entre seres humanos pelo critério de raça, para justificar uma compensação social. Parafraseando George Orwell em sua obra “A revolução dos bichos”, pode-se dizer que os juízes de nossa suprema corte determinaram que “Todos são iguais perante a lei, mas alguns, de hoje em diante, deverão ser considerados mais iguais que outros”.  Imagino que suas intenções devam ter sido as melhores, mas não posso ignorar que de boas intenções o inferno vai se enchendo todos os dias.
Na história de nosso país, este terá sido um dia marcante, afinal, o Brasil aproximou-se de se tornar um dos poucos países em pleno século XXI, a buscar o racismo como conduta chancelada pelo estado. Temos até um Ministério da Igualdade Racial, que em tudo faz para ressaltar nossas diferenças. Através de sua decisão, o STF considerou que todas as pessoas com maior pigmentação de pele são incapazes de poderem obter aprovação nas provas de acesso a universidade por seu próprio mérito, presumindo-se que a deficiência atávica oriunda da cor da epiderme, lhes conferiria um estado de incapacidade e portanto, necessitariam estes ser “ajudados” no resultado das provas, obtendo um bônus que compensasse uma pretensa “inferioridade genética”. Acho que nenhum país ainda havia intentado medida neste sentido, incluindo-se aí os Estados Unidos em suas políticas afirmativas, já que lá, procurava-se dar acesso à universidade àqueles que eram terminantemente proibidos sequer de freqüentar o recinto acadêmico (coisa nunca ocorrida no Brasil pós-escravocrata).
O caso brasileiro era até esta decisão do Supremo, uma simples questão de incompetência do Estado no ministrar educação de forma consistente. Com a atual sentença, determina-se por lei uma suposta incompetência racial, que requisitaria para as pessoas de maior pigmentação, o mesmo tratamento designado aos portadores de deficiência física. Se isto não for revoltantemente discriminatório, não sei mais o que é.
Quando lembro de meus heróis, o reverendo Martin Luther King e a professora Marva Collins falando sobre a igualdade de oportunidades para toda a raça humana, sei que eles não imaginariam considerar as pessoas de cor negra como mentalmente deficientes e incapazes de poder ascender profissionalmente sem a “ajudinha” das cotas. Tal idéia provavelmente lhes revoltaria o estômago.
A não ser aos olhos dos racistas, a cor da pele não determina competência ou incompetência. Estão errados tanto os que discriminam os negros negativamente, quanto os que agora os discriminam “positivamente” com uma reserva de acesso, ao considerá-los “coitadinhos” que não entrariam na faculdade se não fossem ajudados.
Tudo o que vejo é mais uma tentativa de remendo mal acabado, para que o péssimo e desigual ensino que prepara alguns e exclui outros do aprendizado, continue tal como está. Nenhum bônus como este irá erradicar o analfabetismo funcional, o mal ensino, o currículo irrelevante, o descaso e a incompetência das autoridades com a educação, o despreparo e o desinteresse para as reformas necessárias nas escolas mal aparelhadas, seja em sua estrutura ou em seus profissionais despreparados e mal remunerados.
Não nos esqueçamos que os estudantes de hoje, serão os profissionais de amanhã que irão competir por vagas. E se os empregadores presumirem que estes só entraram na faculdade pelo bônus conferido por sua aparência, deixarão de ser contratados em detrimento dos que entraram por mérito, gerando uma nova classe de párias sociais que viverá o pior dos infernos, pois implicará num rótulo eterno de incompetência, chancelado pelo atual Estado Brasileiro.
Chocou-me nenhum dos ministros do Supremo ressaltar a incompetência do Estado em suas atribuições ligadas à educação, como causa preponderante da reduzida presença de pessoas oriundas da escola pública e principal fator na exclusão social de acesso às universidades. Escolheram estes o caminho mais fácil: atribuir aos que tem a maior pigmentação de pele, a incompetência para entrar nas universidades públicas por seus próprios méritos. Nenhum deles levou em consideração que se o estado tivesse provido o que de fato deveria ter sido sua obrigação, todos teriam entrado na universidade pela porta da frente, sem a necessidade de um artificial favorecimento.
Deixou-me pasmo também, que em momento algum os ministros tivessem especificado em sua argumentação, quaisquer das cláusulas presentes no Capítulo I, Artigo 5 da Constituição de 88, que trata dos “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, como referência para negar a igualdade entre brasileiros. Estes provavelmente não o fizeram, por que lá não encontrariam guarida para justificar suas decisões, baseando-se apenas em sua própria opinião para emitir o voto.  Se a função do Supremo Tribunal Federal não é mais defender o texto da Constituição Federal em seus termos, abdicando de ser o principal guardião da lei máxima do país, então estamos entrando de fato no perigoso campo do Estado de Exceção, onde leis deixam de ser referência, em prol das opiniões pessoais e políticas.
Seres humanos são e continuarão iguais em sua biologia e demandas, mesmo que algumas pessoas teimem em classificá-los em diferentes grupos. Ao Supremo de nosso país, deixo como lembrança da igualdade humana, o monólogo de Shylock, personagem de William Shakespeare, em sua peça “O Mercador de Veneza”, ato 3, cena 1, onde poderíamos trocar a palavra judeu por humano, com igual peso e sentido:

“Sou um judeu. Não tem olhos um judeu? Não tem um judeu mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afeições, paixões; não nos alimentamos com a mesma comida, nos ferimos com as mesmas armas, não estamos sujeitos às mesmas doenças ou curas pelos mesmo meios, não nos aquecemos ou nos resfriamos pelo mesmo inverno e verão como um cristão? Se nos picarem, não sangraremos? Se nos fizerdes cócegas, não riremos? Se nos envenenarem, não morreremos? E se nos tratarem mal, não nos vingaremos?  Se somos como vós em tudo o mais, nós nos pareceremos convosco também nisso.”

“I am a Jew. Hath not a Jew eyes? Hath not a Jew hands, organs, dimensions, senses, affections, passions; fed with the same food, hurt with the same weapons, subject to the same diseases, heal'd by the same means, warm'd and cool'd by the same winter and summer, as a Christian is? If you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die? And if you wrong us, do we not revenge? If we are like you in the rest, we will resemble you in that.”
The Merchant Of Venice Act 3, scene 1, 58-68

Lucio Abbondati Junior

sábado, abril 07, 2012

ÁLBUM DE FIGURINHAS COMO FONTE DE CULTURA

Quando eu era jovem, numa época onde a internet sequer havia sido pensada, obter informação era um luxo nem sempre acessível. Descobrir o que o mundo tinha a oferecer, que lugares fascinantes apresentava ou como as coisas aconteciam e funcionavam, eram perguntas difíceis de responder.

Livros raramente eram encontrados na fartura que temos hoje nas livrarias e mesmo se existissem, frequentemente custavam preços proibitivos para as finanças de meus pais. As bibliotecas públicas e dos colégios demoravam décadas para atualizar seus acervos, o que levava a nossa curiosidade a ser saciada através de centenas de perguntas às pessoas certas, que no caso compreendiam as que combinavam conhecimento e paciência para nos responder.

Os álbuns de figurinha entraram em minha vida exatamente neste cenário, cumprindo o papel de trazer conhecimento e ilustrar o que havia acontecido no mundo. O problema é que colecioná-los não garantia completá-los, pois o dinheiro para isso nem sempre estava disponível para abrir pacotinhos a toda hora. As que eram fabricadas na época, não eram auto-adesivas nem apresentavam imagem fotográfica, mas isso compensávamos com um bom tubo de cola polar e muita imaginação. Ainda que fossem assim, estas eram desenhadas por ótimos ilustradores, que reproduziam com um traçado hiperrealista, o conteúdo previsto pelo tema.

Lembro-me com carinho de vários deles, principalmente os que eram confeccionados pela Bruguera, vinculada a editora Íbis de Portugal. Seus álbuns preenchiam os claros em meu conhecimento, despertando em mim a paixão pelo aprendizado. Dentre os exemplos que ela publicou, alguns se tornaram marcantes para mim:

BANDEIRAS E UNIFORMES foi um deles. Ilustrava os pavilhões dos diversos países do mundo, um pouco de sua história e costumes, além é claro, da parte que mais fascinava os meninos como eu, que brincavam com soldadinhos de plástico – uniformes militares de todas as épocas e países. Colecioná-lo, pelo menos para mim que tinha pais ralando no dia a dia, era quase impossível, pelo custo que impunha para ser completado, mas sendo eu um garoto que podia improvisar, vislumbrei uma saída que acabou funcionando. Eu era muito bom jogando bolinhas de gude e sabia disso. Já meus colegas, não jogavam tanto assim e muitos deles colecionavam o álbum, dispondo de centenas de duplicatas. Eu aproveitava a hora do recreio no tradicional colégio Maia Vinagre e partia com minhas bolinhas nos bolsos para o pátio de terra, a fim de desafiar quem lá estivesse para um jogo de búlica (três buracos no chão, aos quais você tem que acertar sucessivamente com as bolinhas, atingindo as dos demais competidores de forma a capturá-las). Ao findar cada manhã com bolsos cheios pelas vitórias, eu olhava os maços de duplicatas que meus colegas portavam e perguntava aos derrotados se não gostariam de reaver suas bolinhas perdidas, em troca das figurinhas repetidas que sobravam em suas mãos. E assim fui eu, obtendo de 10 a 20 figurinhas por dia para encher meu álbum com as que me faltavam, até que eu o completasse.

MARAVILHAS DO MUNDO foi outro, que no Brasil trazia um “plus” em relação ao publicado em Portugal, onde era vendido em duas partes distintas “Maravilhas da Natureza” e “Maravilhas feitas pelo Homem”. Aqui, estes compunham uma única obra.

Através dele e de minha imaginação, pude viajar sem sair do lugar para países exóticos e distantes, museus e em alguns casos, até atravessar o tempo em direção ao passado, observando prédios que não mais existiam, como o túmulo de Mausolo (que deu origem à palavra mausoléo); o Farol de Alexandria; o Colosso de Rodes, os Jardins suspensos da Babilônia e muitos outros. Nos museus, observei o enorme meteoro que havia caído do céu, a estátua da Vitória da Samotrácia (que se encontrava no Louvre) e nas maravilhas naturais descobri que haviam glaciares, a Torre do Diabo, as gigantescas árvores sequóias e tantos outros nomes e lugares, que me levaram a descobrir que o mundo era muito mais vasto do que era possível enxergar em minha cidade natal.

Tal como o Bandeiras e Uniformes, este também ganhou uma história, assim como todas as coisa marcantes que desfrutamos na vida, afinal, objetos são apenas coisas sem sentido, até que alguém acrescenta a ele alguma vivência e o torne parte de seu enredo de vida. Um de meus tios era um bon vivant que sabia apreciar as boas coisas que a vida oferecia e que namorava uma moça muito gentil e paciente, que costumava conversar comigo todos os domingos. Ela comprava o jornal O Fluminense, que justamente nestes dias, ostentava em suas páginas, um concurso em que trazia pequenos fragmentos de fotografias de vários prédios do mundo, dando apenas uma pequena pista de sua origem. Eu, curioso, olhava as fotos e através do que vira em minhas figurinhas, comecei a perceber similaridades entre estas e os prédios ali descritos. Ela então, perguntou-me se eu seria capaz de identificar a origem de cada pista publicada, para que ela pudesse concorrer ao prêmio oferecido; um tour pelos vários países da Europa (crianças não podiam concorrer, infelizmente). E assim eu o fiz, levando-a a ganhar o concurso, demonstrando que meu álbum tinha seu valor!

Já com outro, NOSSO MUNDO, descobri o que cada país produzia, seus trajes típicos, sua morfologia e localização, além de seus animais, hábitos e comidas típicas características. Este eu até consegui comprar os pacotinhos, mas o raio da figurinha 59 não saia de jeito nenhum! Foi então que um dia, já estudando no Colégio Salesianos e me preparando para voltar para as aulas após o recreio, descobri um garoto de outra turma com um maço de duplicatas em mãos, se dirigindo à sua sala. Perguntei se podia olhar seu bolo e qual não foi minha surpresa, pois bem em cima em suas mãos, encontrava-se ela, a famosa “figurinha difícil”. Surpreso com a minha euforia e pelo tempo que eu disse procurá-la, ele comentou que aquela era uma das mais comuns e que a toda hora ele a retirava dos pacotinhos. Mostrei-lhe então minhas duplicatas para a troca e ele me disse que tinha todas, desinteressando-se de imediato. Foi então que aprendi várias lições que levei para a vida:

- O que consideramos difícil, é apenas uma questão de perspectiva, pois para outra pessoa, pode ser uma trivialidade facilmente obtida.

- O que nos separa da obtenção de algo que desejamos, depende muito de nossa persistência na busca e principalmente, da disposição de negociar com quem pode nos fornecer o que procuramos. Tudo na vida é negociação; uma questão que pode ser resolvida pela descoberta do que interessa ao outro, de forma a poder oferecer vantagens equilibradas, que levem ambos a obter o que procuram.

E assim eu o fiz com a 59, oferecendo todo o meu maço de duplicatas sem valor, pela única que poderia completá-lo. Na troca, ofertei-lhe a possibilidade de duplicar o número de figurinhas que poderia utilizar para barganhar com outros, de forma que este aumentasse suas chances, enquanto ele me permitiria o triunfo de conseguir minha coleção completa.

Ao folheá-los hoje, tão diferentes dos inconseqüentes álbuns da atualidade, lembro-me do processo que me levou a completar cada um deles, despertando o meu lado inquiridor, na busca de mais conhecimento. E é com carinho, que percebo que o aprendizado reside apenas onde o estímulo à curiosidade e o interesse habitam. Propiciá-lo, é essencial.

Lucio Abbondati Junior

terça-feira, abril 03, 2012

ENTREVISTA NO PROGRAMA QUEBRA-CABEÇA, NO GNT 2012

Segue aqui um trecho de minha nova participação no program Quebra-Cabeça do canal GNT, que é apresentado por Chris Nicklas e que foi exibido hoje, 03 de abril de 2012, abordando a importância dos mitos e lendas na vida e na formação das crianças.


E aqui, o link para um trecho da entrevista que dei ao programa Quebra-Cabeça inaugural da GNT, em 2011, no qual também participei.

Lucio Abbondati Junior

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