O DESCONFORTO E A ANESTESIA
O desconforto em nossa sociedade sempre foi tratado como algo intolerável. É opinião corrente que este deve ser erradicado rapidamente, sendo discutível apenas o método que se emprega nesse sentido. O que não se questiona, equivocadamente em minha opinião, é o verdadeiro papel do desconforto no viver. No plano físico, ele cumpre uma função cristalina - desnudar o mau funcionamento do corpo, alertando seu dono para que este tome providências, a fim de restituir-lhe a normalidade.
Já quanto ao meio social, sempre que penso nele, recordo-me do porquê do homem ancestral ter pensado em abandonar a caverna onde morava. Ele o fez simplesmente, porque era escura, fria, úmida e principalmente, desconfortável. O desconforto sempre atuou como mola propulsora para o progresso humano.
No lidar com os incômodos ao longo de sua história, o homem de forma geral, tendeu a agir, posicionando-se pela eliminação dos fatores que tornaram sua vida miserável, corrigindo as falhas, a fim de progredir para um novo patamar do viver.
Muitas invenções foram desenvolvidas em virtude de sua existência, tais como a dos veículos para o transporte, de moradias mais confortáveis e de toda uma sorte de utilitários.
Muitos conflitos humanos também tiveram como origem o desconforto, seja moral ou físico, justificando uma ação enérgica a fim de serem resolvidos, tais como a escravidão em muitas sociedades, a derrubada de regimes tirânicos e a melhoria no viver indigno, com grandes ganhos sociais, que reverteram em benefícios de todos. A proposição de mudanças sociais sempre partiu da erradicação das causas e correção dos efeitos.
O século XX contudo, legou uma sutil mudança neste paradigma, mudança esta que vem se tornando progressiva. Durante o seu curso, encontrou-se uma nova forma de lidar com o desconforto, a fim de tornar palatável, o insuportável. Optou-se pela cômoda paliação das causas, a fim de impedir mudanças substanciais na sociedade.
Com uma boa dose de covardia e preguiçosa conveniência, optou-se por mascarar os problemas através de mecanismos doutrinários, dissociando-se causas e efeitos, na esperança de que os incômodos pudessem desaparecer por si mesmos. Esconder a sujeira debaixo do tapete passou a ser o objetivo principal e para isso adotou-se também um novo linguajar onde o indizível pudesse ser comentado, sem recordar as desconfortáveis causas.Em suma, propôs-se a supressão de efeitos sem tocar nas causas.
Daí derivaram os progressivos desenvolvimentos e a crescente utilização por parte da população, de medicamentos antidepressivos e analgésicos, dos cigarros, bebida e das demais drogas, sintéticas ou não, utilizadas em larga escala pelas pessoas para que pudessem continuar a conviver com o que as incomodassem ou temessem, abdicando de participar na solução ou nas mudanças que se fizessem necessárias. Tornamo-nos uma sociedade narcotizada - um povo que se anestesia, um pouco a cada dia.
Convenhamos: quem optaria por usar um entorpecente dos sentidos, seja qual for dos escolhidos ao lado, por que está vivendo maravilhosamente bem? Ninguém o faz por que quer se sentir mal, todos o fazem para se sentirem melhores do que estão e isso ocorre por que se está vivendo mal e busca-se tornar menos pior, a tortura que em que se transformou a vida.
Na escolha de um entorpecente da mente como opção recreativa, reside a confissão de que o mundo onde se habita já não é capaz de lhe apresentar alternativas satisfatórias e por isso mesmo, foge-se para outro. A morte neste lento suicídio acaba por se tornar uma benção, perto da vida que se leva. Na raiz de quem se engana com a alegria química todos os dias, está a admissão da impotência frente aos problemas que enfrenta. Mesmo entre os que se reúnem para se divertir bebendo com os amigos após o trabalho, o encontro é um mero motivo para que coletivamente entorpeçam por alguns momentos, o intolerável de suas vidas. Após a décima cerveja, não há a quem possam convencer de que o fazem para “degustar” a bebida – ela nem mais tem gosto. Bebem hoje e agora, por que amanhã será outro dia intolerável.
No passado, o desconforto já teria motivado mudanças e as causas seriam removidas – a revolução francesa ocorreu nestas condições. Neste presente entorpecido, contudo, o desconforto justificou apenas um gradativo aumento da anestesia geral, da degradação da ética, da inação e da decadência no comportamento e no progresso.
No lugar das mudanças, produziu-se conformidade, impotência e a aceitação do aviltamento, sem reação ou devida indignação.
Tornou-se praxe a alegação de ignorância, mesmo entre a intelectualidade, para justificar a negação ou recusa da reflexão que se traduziu no estupor e na tácita aceitação da lenta corrosão de toda o esqueleto e a tessitura social, sem questionamento.
E para tolerar o mal viver, aceitando o inaceitável, o indignante, o ultraje diário e a impotência, o povo se anestesia, um pouco mais a cada dia...
Lucio Abbondati Jr
2 Comments:
É... infelizmente a anestesia é tanta que até pra votar nós já vamos desanimados com o governo e "coisa e tal"... esquecemos que tudo vem de dentro pra fora... que a mudança é não só interna, mas individual e vai se ramificando a partir do momento que passamos a crer... como se fosse uma fé... que deveria ser inabalável...
Mas nos tiraram a força de vontade, o prazer pelo saber... e ficamos assim... a cada ano que passa sendo mais e mais alienados ou como o próprio texto fala anestesiados !
Eu confesso que não so chegada em política nem um pouco... tomei aversão por vários fatores...
Mas sei do meu compromisso como cidadã... aliás eu acho que sei demais... como muitos... e no fim acho que o essencial agente não sabe ainda... quer dizer... saber não ! "Viver o saber" e aprender com isso... subir os degrais... e conseguir "fazer" um desmame dessa anestesia que nós mesmos aprendemos a nos submeter a "tomar" !
Ps: Nossa desculpa pelas "377764784848 milhões" de aspas (olha elas denovo aew... haua) acredito que no meu planeta natal não tinha palavras que tem aqui porque eu sempre uso as aspas... hauahau as palavras me fogem um pouco da mente ! hauahau Palavras q não existem aqui...
desculpe quqlquer erro de português ou abreviação !
Chega! Já escrevi demais ! Eu me empolgo...e spero q tenha me feito entender... são tantas coisas a falar...
Letícia Marinho
Ótimo artigo!
Apenas acho que esqueceu de citar explicitamente a TV e a midia de massa como parte do processo de entorpecimento.
Nâo voto no Lula. Masme parece que para quem é miserável e acha que todos os politicos são iguais, o voto nele é uma boa. Creio que isto explica o fato dele vir a ser reeleito.
Ótimo Blog!
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