quarta-feira, setembro 20, 2006

DA SAUDÁVEL E FANTÁSTICA INUTILIDADE

Espera-se de um homem responsável, no mínimo, que ele cumpra suas obrigações e que encontre sua serventia no mundo... “A obrigação vem em primeiro lugar”; reza o mote calejado.

Propomos então a nossos filhos que se tornem úteis, que sirvam e cumpram seus deveres, ensinando-os a procurar uma função na existência. Dizemos a eles: - Assim é a vida, o normal. Naquilo que estabelecemos como normalidade, entretanto, não percebemos devidamente a força das palavras com que constantemente nos expressamos. Na maioria das vezes, empregamo-las, sem sequer questionar sua validade e conseqüência.

Quando instruímos nossos filhos para que se tornem úteis, esquecemo-nos que o termo utilidade aplica-se melhor a coisas que podem ser usadas, que se desgastam até a destruição. Sabemos para que servem as coisas úteis: de um capacho esperamos poder limpar os pés; da vassoura, varrer o lixo e da lixeira, contê-lo; de um elevador, nos transportar contra as forças da gravidade, para cima e para baixo, sem variações ou surpresas... As coisas que nos cercam são úteis ferramentas no dia a dia, mas, sem dúvida alguma, continuarão sempre sendo apenas objetos, meios para servir a uma função.

Quando esperamos que nossos filhos encontrem uma serventia na vida, termo que no passado se aplicava bem a escravos, não questionamos muito se é realmente isto o que pretendíamos – transformar-lhes na versão de tempo presente de modernos servos - os robôs - sem alternativas ou vontade própria. Lembremo-nos sempre que:

- Quem faz suas obrigações, o faz por ser obrigado, não por exercício de vontade;

- Arca com impostos, aquele que sofre imposições e ameaças;

- Torna-se útil, tudo o que se permite ser usado;

Estas palavras não deviam ser as únicas nem as principais a serem ensinadas aos filhos, para que estes se tornem homens responsáveis. Melhor seriam empregadas se aplicadas a objetos e não a crianças, acostumando-as a serem tratados como coisas, com função definida. Não o somos ferramentas ou utilitários ou ao menos, não devíamos ser.

As pessoas acostumaram-se a não mais questionar a perda de sua humanidade. Vivemos num mundo onde se deixa de acordar por que o sono descansou o corpo; desperta-se para ir ao trabalho; cumprir um programa de obrigações. Normal, dizem todos...

Não se come mais para saciar a fome, nem esta é quem sinaliza a necessidade de repor reservas; engole-se rápido um alimento em 60 minutos cravados; para se correr de volta a cumprir o programa de obrigações pré-estabelecidas. Normal, bradam novamente.

Não se dorme por que o sono nos lembra de repor energias e sim por que a jornada estipulada do programa de obrigações determina a hora necessária para acordar, estabelecida pelo timer robótico do contrato de trabalho. Normal, dizem por aí, muito à contra-gosto.

Anseia-se desesperadamente por 30 dias de liberdade em 335 de escravidão, numa aceitação que de isso é o normal, já que a maioria o faz, sem questionar.

Rendendo o esperado ou não, todos concordam em cumprir uma carga fixa de horário no serviço, mesmo isto instale o enfado, o desencanto, a desilusão e o descaso em todos que ali estão por imposição da obrigação, reduzindo a tão ansiada produtividade. São as horas em que me lembro dos antigos livros de história do Brasil, que explicavam por que os escravos da África foram trazidos para trabalhar aqui – “...por que nossos índios se mostraram preguiçosos e indolentes para o trabalho na lavoura, na condição de escravos”. O que esperavam os senhores da época, naquelas condições? Alegres índios cantores como num musical, indo para a labuta escrava, com empenho e perseverança? Qualquer semelhança entre nosso comportamento “indígena preguiçoso e indolente” e o estado de ânimo dos atuais trabalhadores, não será mera coincidência...

Vive-se mais emoção na novela, no Big Brother, na fofoca diária do jornal, no desempenho do time do coração, na reunião da novena ou na sessão do templo, do que na vida pessoal, onde escasseiam opções e decisões próprias de cada indivíduo, com fins de semana aterradoramente monótonos, até que a segunda-feira chegue e novas obrigações determinem a todos como ocupar o dia e a atenção.

E esperamos que nossos adolescentes anseiem para se tornarem adultos... Mas logo esta espécie de adulto – o escravo consentido? Não admira que se droguem cada vez mais e se desesperem. É o resto de lucidez que lhes resta, lhes dizendo que o viver adulto é insano.

No afã de inculcarmos esta pretensa normalidade mecânica nas crianças, pouco nos lembramos, contudo, da importância da inutilidade... Dos atos que praticamos em nome não da serventia, mas do exercício da curiosidade, da criação e da experimentação; as ações que são desencadeadas pelo ato da escolha e decisão pessoal,sem obrigatoriedade.

Se validássemos a idéia de que tudo na vida deveria ter uma finalidade pragmática, teríamos que ignorar toda e qualquer manifestação artística. Afinal, para que serve a arte? Na prática, para nada!!! E ainda bem, pois se esta se pusesse exclusivamente a serviço da obrigação, tudo se resumiria a uma linha de montagem padronizada.

Pelo princípio da utilidade, por que uma pessoa deveria perder tempo escrevendo uma poesia? Ou pintando? Para que buscar o belo na escrita, se as coisas devessem ser sempre simplificadas e uniformes? E compor uma música então? Outra inutilidade de quem vive “cigarreando” em vez de obrar como uma formiga operária...

Confunde-se ainda hoje, a inutilidade do ato, com o vazio da nulidade, pois não se reconhece como válido o ato criador não voltado para a produção do ganho financeiro e pessoal. Com isso, desqualifica-se o talento de cada indivíduo. A criação, quando movida apenas pela obrigação, nada mais é que uma nova imposição. Há de se permitir a existência do criar, pelo criar. Toda manifestação artística decorre de um ato inútil, contudo, essencial, pois dela surgem as correções de rumo que marcam o caminho do homem neste planeta.

Quem se dedica ao inútil por uma pulsão interna, o faz como exercício de vontade, não porque foi obrigado ou por condições impostas, mas por que expressa em sua criação, o ânima, que o faz vivo. Aqueles que se permitem exercitar inutilidades, manifestam-se através de sua criação, que lhes propiciará continuidade. Os que abdicam de fazer escolhas e conformam-se em seguir ordens e obrigações, agonizam lentamente por dentro no dia a dia, sentindo que o tempo se esvai e as forças lhes faltam, sempre que se dirigem para o exercício da útil obrigação diária.

Nossa sociedade atual martela ainda uma velha cantilena decrépita de que o trabalho faz o homem, oriunda de um tempo onde existiam corporações que nominavam pessoas por sua profissão e assim eram tratados – Herr Bauer (senhor padeiro), Mr. Smith (senhor ferreiro). Muitos levam isso tão à sério ainda hoje, que até se qualificam por seu ofício, confundindo-se com ele de forma indissolúvel (...aquele é o Dr. Fulano de tal).

O adestramento social quanto a esta conduta é tanto, que em algumas pessoas causa estranheza encontrar profissionais fora de seu ambiente de trabalho, como o médico, o odontologista, a professora e outros, em supermercado, cinema ou divertindo-se, como se seu mundo fosse confinado ao local de trabalho. Estranha-se que um profissional não esteja disponível a qualquer hora do dia ou da noite, pois espera-se que ele “exista” apenas para servir. E este é apenas um dos riscos do homem assumir ser apenas a função que exerce. Limitado a uma simples utilidade, não alcança todo o seu potencial.

A todos é ensinado que devem satisfazer-se com sua função e utilidade. Pedem-nos que nos orgulhemos de nossa utilidade na vida e do cumprimento de nossas obrigações. Quantos, entretanto, são ensinados a orgulhar-se de seus atos inúteis? Dos gestos que produzem inutilidades essenciais como a arte? Quantos hoje são estimulados a praticar alguma atividade por simples exercício da vontade, espontânea, criação pela criação, apenas para ver no que irá dar? Muito poucos. E por isso mesmo, poucos são os humanos que mantém intacto quando adultos, o seu talento.

Diz a revista Exame de agosto de 2006, que 38.000 postos de trabalho no alto escalão não encontram quem os ocupe, o que vem desencadeando uma desenfreada guerra pelo aliciamento de funcionários eficientes das empresas. Falta nos postulantes aos cargos, em tudo semelhantes no número de MBAs e universidades, qualidades essenciais como talento, iniciativa, visão, criatividade, capacidade de pensar por si mesmo e adaptabilidade - qualificações que não podem ser ensinadas através de fórmulas prontas, cursos de renome ou leitura de manuais de gerência e marketing.

Num mundo de padronização de condutas, modas impostas por modelos pré-fabricados, onde pessoas procuram se transformar em clones de quem está em evidência, é o ato inútil que prepara alguém para o ainda inexplorado, para lidar com a descoberta com encantamento e não com o terror da ignorância do que fazer.

Neste 21o século de mudanças tão drásticas quanto inesperadas, é justamente no exercício do talento criativo e não num simples título profissional, que repousa a única e verdadeira forma de reconhecer o valor e distinguir um ser humano do outro.

Lucio Abbondati Jr

quinta-feira, setembro 14, 2006

HISTÓRIA PREMIADA

Lu Abbondati (ou, para quem conhece, Lucia Vasconcellos), minha parceira produtora cultural há 18 anos, tem mais qualidades insuspeitas do que a maioria das pessoas conhece. Na Bienal de Livros do Rio de Janeiro, em 2003, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) a agraciou como escritora, com a menção honrosa no Concurso Pró-Leitura. Seu texto “Buck não lia jornais”, delicioso, fala do saborear da leitura quando associada à curiosidade, com encanto e singeleza. Em homenagem a vocês, eu os contemplo com ele. Boa leitura!!!


BUCK NÃO LIA JORNAIS

Lucia Vasconcellos (Lu Abbondati)

Quinta-feira, 16 horas.

- Crianças! Turmaaa! “Hora da História” ...!

- Ah, não! A tarde está tão bonita... Nós preferimos brincar aqui fora, professora - disse impositivamente a menina ruiva.

- É isso aí! Essa coisa de “Hora da História” é uma chatice! Não tem história legal! - reclamou um menino.

- É sempre a mesma coisa - completa Gracie. E empoando a voz – “ Então crianças, qual a moral da história? O que podemos aprender com a fábula “ A lebre e a tartaruga “?

- Que primeiro temos que vencer, depois dormir! - grita assanhada Mariana, fazendo todos os trejeitos que adora.

- Ah, professora, as histórias são todas iguais, tudo coisa pra criancinha! Eu já tenho dez anos, a Gracie também, a Mariana faz dez no mês que vem; o Filipe e o Bruno têm quase onze! Só Priscila que tem nove, mas ela também já entende tudo e acha uma droga essa coisa de príncipe encantado, bichos que falam e finais felizes, não é mesmo Priscila?

Todos olham para a menina, que tenta responder:

- Bem, na verdade eu até que gos...

- Pois é - interrompe Olga - A gente não quer mais perder tempo com essa história de “Hora da História”. Encheu! Cansou !

Eulália percebeu que estava num momento crítico. Precisava de uma nova estratégia, eficiente, para que aquelas crianças não se perdessem, não se afastassem, talvez definitivamente, das histórias, dos livros.

A turma estava em balbúrdia. Satisfeitos pensavam que haviam se livrado de mais uma obrigação chata. Não conseguiam compreender o valor das histórias. Haviam passado do tempo no qual a fantasia e o sonho imperavam, o bem sempre vencia o mal, onde tartarugas e lebres, bem como bonecas de pano e sabugos de milho falavam, viviam. Era agora ou nunca e ela tinha que acertar. Respirou fundo e batendo palmas e assobiando, conseguiu a atenção da turma.

- Muito bem, muito bem, disse ela em bom tom. Acho que vocês têm razão.

- Êeeeh! - bagunça geral.

- Alô, alô, vocês têm razão quando dizem que não são mais criancinhas, que querem coisas mais apropriadas para sua idade. Não, não, Mariana, nada de desfile de moda agora. Sente-se !

- Ah, droga! - fez a menina num muxoxo.

- Quero que vocês afastem as carteiras e fechem as cortinas, prosseguiu Eulália.

- Todas? - indagou Filipe.

- Sim, todas.

- Mas prá que, professora ?

- Vamos abrir espaço aqui no meio da sala e... assim, assim mesmo, Bruno, quero todos sentados no chão, um ao lado do outro. Sem assanhamento, vamos!

- No final das contas vamos ter história - comenta rabugentamente Olga.

- Sim, vamos. Mas esta é uma história bem diferente das que vocês conhecem e além do mais quero que vocês falem, perguntem o que quiserem, comentem o que der vontade enquanto conto a história. Está bem?

Isso era diferente, muito diferente do que estavam acostumados: ouvir em silêncio até o fim e só depois comentar o que haviam ouvido, etc., etc.. Todos se entreolharam vivamente, antecipando uma bagunça divertida e, claro, nenhuma história.

A professora começou.

- Este é um livro de aventura para adultos e jovens e foi escrito há muito tempo. O nome do autor é Jack London e a história chama-se “Chamado Selvagem”. Começa assim: “ Buck não lia jornais.”

- Não lia... Não lia porquê professora, era burro ? - instigou Olga.

- Ele prefere livros! - gracejou Filipe.

- Vai ver que não sabia ler - disse Mariana.

- Então era burro! - insistiu a outra.

- Podia ser só pequeno, sua boba! Meu irmãozinho de quatro anos não sabe ler porque só tem quatro anos.

- É, mas tem adulto que também não sabe ler, é burro! - reforçou a primeira.

A professora Eulália sorria feliz. Percebeu que acertara na escolha e que, rapidamente, antes que percebessem, estariam em silêncio, ávidos, escutando, imaginando... Será?!

- Quem mais não sabe ler? - Perguntou então. Só gente sabe ler, é isso ?

Todos concordaram meneando as cabeças.

- Então, quem será Buck? Uma criança pequena, um menino que não aprendeu a ler ainda, como o irmãozinho da Mariana? Ou talvez um adulto que não teve oportunidade, mas que ainda poderá aprender a ler? Ou ainda uma pessoa burra ?

- Ou um bicho - arriscou Bruno - Bichos não sabem ler, a não ser que seja mais uma fábula, porque aí todos os bichos falam, lêem, cantam, fazem tudo.

- O que vocês acham, meninos ? Pode ser um bicho ?

- Ué, professora, como é que a gente vai saber? - perguntou Mariana.

- Que tal a gente deixar a professora Eulália contar a história? - argumentou Gracie - Assim não saímos da primeira frase!

- Ah! Muito obrigada, Gracie. Todos concordam? Ótimo! Continuemos.

E assim, naquela “Hora da História” as crianças conheceram Buck, um grande cão peludo, que vivia numa boa casa, com alimento e abrigo e que não sabia, mas sua vida iria mudar muito, completamente.

Muitas outras “Horas da História” foram necessárias para que toda a aventura fosse contada. Muitas mesmo, mas no fim, as quintas-feiras, às 16 horas eram os horários mais ansiosamente esperados por todos. Dezenas de desenhos foram criados, todos os sentimentos vivenciados e certamente, milhares de perguntas foram feitas, mapas foram vasculhados para se conhecer melhor a trajetória do cão herói nas terras geladas do Alasca.

” Buck não lia jornais.”, mas enriqueceu com muitos livros, escritas e histórias a vida daquelas crianças a partir de então.



sexta-feira, agosto 25, 2006

FAZ TODO O SENTIDO

Para avivar a percepção e o discernimento nos dias de hoje, aqui vão duas citações de uma pessoa realmente muito especial:


"Nossas vidas começam a findar, no dia que nos tornamos silenciosos sobre as coisas que importam"
"Our lives begin to end the day we become silent about things that matter"

"No fim, nós nos lembraremos não das palavras de nossos inimigos, mas do silêncio de nossos amigos"
"In the end, we will remember not the words of our enemies, but the silence of our friends"

Martin Luther King
(1929 - 1968)

sábado, agosto 19, 2006

O PODER OCULTO DO CINEMA

Quando ouço pessoas falando que o cinema irá morrer com o advento dos home theather e dos DVDs, me espanta a dimensão da ignorância humana.

Desde criança ouço um ditado que diz: “O cinema é a maior diversão”. Uma expressão tão válida quanto a limitada afirmação de que a principal função das escolas é retirar os jovens das ruas – explicação adequada a presídios e não a um local formador de seres humanos.

O problema é que em nossa sociedade, são definições como estas que determinam as condutas humanas e sendo assim, da mesma forma em que a escola acabou por se transformar em depósito e não em local de aprendizado, o cinema está se transformando num local de diversão, visto apenas como passatempo e que pode ser substituído com vantagens por um bom aparelho de DVD e um telão.

Acontece que não pode. Suas verdadeiras características não podem ser reproduzidas em uma sessão doméstica, como veremos a seguir.

Por incrível que pareça em sua história, o cinema continua sendo uma mídia de informação ainda não compreendida em sua totalidade, tanto pelo público quanto por aqueles que efetivamente o fazem. E desta desinformação, emergem conceituações estapafúrdias que, longe de contribuir para sua manutenção e continuidade, levam cada vez menos pessoas as salas de exibição, agravando mais ainda a absoluta ignorância de suas vantagens, com visível prejuízo social.

O meio cinematográfico é muito mais do que um mero passatempo ou parte de uma indústria de diversões caça-níqueis, como muitos detratores salivam ao afirmar.

Ele também passa ao largo de ser unicamente uma forma de arte, como querem fazer crer respeitados diretores e cineastas, que descambam para definições simplistas. Do alto de escassas imaginações, ouvi e li em vários depoimentos de profissionais do meio, absurdos inesquecíveis que podem ser sintetizados aqui, nestas duas frases:

- “O cinema não deve ser usado para contar histórias, é um meio com a única finalidade de se fazer arte. Aos que quiserem contar histórias, sugiro procurarem a TV!!!”

Através de uma opinião tão abalizada quanto limitada, depreende-se que para eles, o meio físico é o um dos principais determinantes da arte fílmica, senão o único e sendo assim, já que o cinema é arte e como arte não deve se curvar a ser inteligível, o cinema não deveria ser inteligível. Ponto! A TV não, esta é algo que prevê em seu “produto” uma palavrinha delicada para certo grupo de cineastas, um início, meio e fim, o que a baniria para sempre de ser um meio artístico...

Acontece que a arte não está no veículo ou na ferramenta utilizada e sim na competência do artista em manifestar sua intenção. Encontra-se nos olhos de quem faz e vê e não nos meios que emprega.

Comparar suportes físicos de características diversas como a TV e o Cinema, apenas por que ambos exibem filmes, é como considerar a escultura e a pintura, privilegiando uma sobre a outra, apenas por que ambas lidam com a imagem.

O veículo de uma imagem deveria indicar apenas como uma manifestação pode ser vista e não determinar sua qualidade. Nenhum meio é menor, apenas o pensamento limitado o faz assim, solapando a curiosidade e a capacidade de pensar novas soluções.

O cinema tem sim, certas características que a TV não pode duplicar, não importa o seu tamanho. E isto se prende a condições privilegiadas que o meio apresenta, as quais mesmo os produtores diretos não entendem ou se aproveitam. Vamos a elas:

  • Para ir ao cinema precisa-se sair de casa, o que implica intenção e escolha de um filme, descobrir onde este está passando, qual o horário adequado, dispor das condições materiais para pagar o ingresso, vestir-se, usar um meio de transporte para chegar ao cinema, comprar o ingresso (o que agrega um valor ao que vai ser visto) e etc.

Tudo isto para o cérebro, atua como um ativador automático de funções, semelhante ao que nos mobiliza em direção a um trabalho ou obrigação urgentes, exceto que neste caso, o fator atuante é o PRAZER, o que cria receptividade automática para o que será dito ou visto na tela. E tudo atua como novidade para os instrumentos de percepção corporal: o cheiro da sala de exibição, as acomodações físicas do lugar, o local aonde se sentar e as respectivas sensações táteis da poltrona, o encontro com outras pessoas e seus diferentes rostos, os diversos sabores dos confeitos, pipoca, refrigerantes, chocolates, encontrados na bomboniere e etc.

É um verdadeiro parque de diversões sensoriais para o cérebro! Estimula toda a sorte de sinapses que a casa, lugar mais que conhecido e sítio das rotinas domésticas, não pode substituir. Nossas lembranças se formam pela introdução de novos fatos através da área de memória recente e esta arquiva o relevante na área da memória antiga, mas apenas se estes diferem dos registros de rotina. E é por este motivo que muitas pessoas nem se recordam se trancaram ou não portas, trouxeram ou não celulares consigo, desligaram ou não as luzes da casa e etc. Rotinas já estabelecidas equivalem a ações automáticas, com ausência de pensamento por parte do cérebro, na sua execução. Uma vida repleta de rotinas poupa tempo na hora de fazer as coisas, mas também incapacita o indivíduo para lidar com o que ele não conhece – um problemão num mundo em transformação vertiginosa, onde situações novas surgem de forma inesperada a toda hora.

Sair de casa por vontade própria para exercer um prazer, é exercitar o cérebro no uso de sensações combinadas (tátil, visual, auditiva, olfativa, gustativa e decisória), o que se torna cada vez mais raro hoje em dia, num mundo de obrigações impostas que freqüentemente estabelecem rotinas a serem seguidas. Assistir um filme em casa, sentando no mesmo local que já se conhece, fazendo as mesmas coisas, com todas as sensações já familiares, é simplesmente não desfrutar do novo - um bom método para criar limo mental..

  • Não há home-theather que simule o fato de que se está longe da geladeira doméstica e daquela fome que aparece do nada...! Ou mesmo do confortável banheiro de casa! Quantos desligam o telefone, celular ou interfone, ao assistirem filmes em casa, para não interromper a sessão? Como prestar completa atenção na trama, sem ser requisitado por filhos, parentes, vizinhos e amigos a qualquer minuto? Como relaxar e deixar para trás o pensamento das contas e obrigações que deverão ser feitas amanhã ou logo depois do filme?

  • A tela do cinema e suas imagens gigantescas, preenchem todo o nosso campo de visão; a cadeira de espaldar alto nos acomoda e abraça; o frio do ar condicionado nos envolve; o som com efeito “surround” nos cerca de todos os lados, transmitindo não apenas impulsos auditivos, mas também tátil-sensoriais com vibrações de baixa freqüência. O escuro garante que nossa atenção não possa ser desviada por nada, pois NADA está visível a não ser a o que vem da tela, o que torna esta mensagem comparável a uma sessão de hipnose, com impacto determinante no teor da mensagem.

Por uma hora e meia, em média, o espectador entregar-se-á de corpo e alma a percepção do enredo, do contexto onde os personagens se inserem e para eles transferirá seus desejos e emoções. Nada pode ser mais eficiente que isso, como meio de recepção. Dizia Frank Capra, um dos poucos diretores que perceberam e utilizaram este potencial em toda a sua plenitude que, ao produzir cada filme, assumia a enorme responsabilidade de não esmagar a esperança de seus espectadores e, aproveitando-se das condições favorecidas acima, incumbia-se de entregar-lhes uma mensagem tão poderosa que estes poderiam sair dos cinemas com um potencial transformador bem inscrito em suas almas.

Este sim, é o verdadeiro poder do cinema – a transformação do espectador.

Uma vez que o cérebro não distingue experiências reais das simuladas, já que ambas entram através do mesmo sistema sensorial e produzem ação nos mesmos sítios cerebrais, fisgado pela mensagem que lhe chega da tela, ele não poderá esquivar-se a mudar seu estado de espírito. Filmes que fazem rir liberarão endorfina sem nenhuma dificuldade e alegrarão o espectador, mesmo que este esteja deprimido. Em contra-partida, um filme que solape suas crenças e valores, também poderão deixá-lo arrasado. Já aquele que o faça refletir, o tornará questionador e o que o encantar, o arrebatará. E tudo isto, lembremos, em uma hora e meia de mensagem ininterrupta, sem competição de qualquer tipo de interferência física, em uma sala totalmente escura, através de uma brilhante tela que ocupa todo o campo visual, com som chegando aos ouvidos sem obstáculos, enquanto o corpo vibra com baixas freqüências, transmitindo sensações táteis.

Isso é dinamite pura para o cérebro!!!

Para deprimidos, 90 minutos de uma comédia equivalem a uma dose reforçada de anti-depressivos. Para idosos e acomodados mentais, uma hora e meia de exercício concentrado num “spa” para o cérebro, ao preço de um ingresso; para crianças, encantamento puro e magia num mundo tão cru e para o adulto, uma permissão para a reflexão sobre uma enorme gama de temas, sem resistência dos preconceitos. Daí a importância de se perceber seu real potencial. Nas mãos de um bom artista, um filme construirá vidas, nas de um irresponsável, marcará o espectador com sua incompetência.

A medicina é uma das principais áreas que muito se beneficiaria se utilizasse mais a ida as salas de exibição como um recurso terapêutico regular. Como médico, muitas vezes faço a indicação de filmes como instrumento de reflexão e questionamento para as pessoas que precisam repensar a condição de vida em que se encontram, em pacientes em estado depressivo, nos déficits de memória e nos estágios iniciais do Mal de Alzheimer, com resultados surpreendentes.

Como recurso cultural, o cinema é extraordinariamente necessário em sua função de propiciar encantamento, alegria e emoção e no seu todo, extrapola e muito, a condição de ser um simples local para a exibição de filmes.

E algumas pessoas ainda acham que seria possível prescindir de um instrumento com este potencial... Elas deviam mesmo é ir mais ao cinema, para exercitar sua percepção e sensibilidade.

Lucio Abbondati Jr

terça-feira, agosto 15, 2006

PERGUNTE-SE !!!

“ Quando foi a última vez que você se permitiu fazer algo criativo com as mãos, apenas pelo prazer de contentar a si mesmo ? ”

Em sua resposta, desconsidere todas as tarefas rotineiras, sejam as domésticas, ligadas ao trabalho ou qualquer atividade útil ou obrigatória. Exclua também as que foram feitas em benefício de outros, sejam filhos, parentes, amigos ou conhecidos. Leve em conta apenas o que tenha sido criado por suas mãos (isso é muito importante !!!) e que o tenha deixado orgulhoso ou satisfeito com o resultado – ou seja - um troféu pessoal, que passou a existir porque você achou que o merecia.

E então, lembrou-se?

Para aqueles que não conseguiram se recordar de nada que tenham feito de criativo com as mãos há mais de seis meses, aqui vai um lembrete: recorde-se que você também já foi criança um dia e que inventar era a única coisa que você fazia, todo o tempo. Agora perceba de fato, que aquela criança não morreu!!! Só cresceu e está lendo este texto, neste exato momento!!

Toda criança experimenta continuamente e sem medo de errar, tornando-se por isso mesmo, tão criativa. Somos fruto das escolhas que fazemos e manifestações de criatividade são um ótimo exercício para reavivar a bagagem de aprendizado que o inventivo período infantil nos propiciou, tornando-nos adultos menos receosos, mais completos e equilibrados.

Experimente e veja por si mesmo!! (e conte a quem precisar)

Lucio Abbondati Jr

segunda-feira, agosto 14, 2006

O DESCONFORTO E A ANESTESIA

O desconforto em nossa sociedade sempre foi tratado como algo intolerável. É opinião corrente que este deve ser erradicado rapidamente, sendo discutível apenas o método que se emprega nesse sentido. O que não se questiona, equivocadamente em minha opinião, é o verdadeiro papel do desconforto no viver. No plano físico, ele cumpre uma função cristalina - desnudar o mau funcionamento do corpo, alertando seu dono para que este tome providências, a fim de restituir-lhe a normalidade.

Já quanto ao meio social, sempre que penso nele, recordo-me do porquê do homem ancestral ter pensado em abandonar a caverna onde morava. Ele o fez simplesmente, porque era escura, fria, úmida e principalmente, desconfortável. O desconforto sempre atuou como mola propulsora para o progresso humano.

No lidar com os incômodos ao longo de sua história, o homem de forma geral, tendeu a agir, posicionando-se pela eliminação dos fatores que tornaram sua vida miserável, corrigindo as falhas, a fim de progredir para um novo patamar do viver.

Muitas invenções foram desenvolvidas em virtude de sua existência, tais como a dos veículos para o transporte, de moradias mais confortáveis e de toda uma sorte de utilitários.

Muitos conflitos humanos também tiveram como origem o desconforto, seja moral ou físico, justificando uma ação enérgica a fim de serem resolvidos, tais como a escravidão em muitas sociedades, a derrubada de regimes tirânicos e a melhoria no viver indigno, com grandes ganhos sociais, que reverteram em benefícios de todos. A proposição de mudanças sociais sempre partiu da erradicação das causas e correção dos efeitos.

O século XX contudo, legou uma sutil mudança neste paradigma, mudança esta que vem se tornando progressiva. Durante o seu curso, encontrou-se uma nova forma de lidar com o desconforto, a fim de tornar palatável, o insuportável. Optou-se pela cômoda paliação das causas, a fim de impedir mudanças substanciais na sociedade.

Com uma boa dose de covardia e preguiçosa conveniência, optou-se por mascarar os problemas através de mecanismos doutrinários, dissociando-se causas e efeitos, na esperança de que os incômodos pudessem desaparecer por si mesmos. Esconder a sujeira debaixo do tapete passou a ser o objetivo principal e para isso adotou-se também um novo linguajar onde o indizível pudesse ser comentado, sem recordar as desconfortáveis causas.Em suma, propôs-se a supressão de efeitos sem tocar nas causas.

Daí derivaram os progressivos desenvolvimentos e a crescente utilização por parte da população, de medicamentos antidepressivos e analgésicos, dos cigarros, bebida e das demais drogas, sintéticas ou não, utilizadas em larga escala pelas pessoas para que pudessem continuar a conviver com o que as incomodassem ou temessem, abdicando de participar na solução ou nas mudanças que se fizessem necessárias. Tornamo-nos uma sociedade narcotizada - um povo que se anestesia, um pouco a cada dia.

Convenhamos: quem optaria por usar um entorpecente dos sentidos, seja qual for dos escolhidos ao lado, por que está vivendo maravilhosamente bem? Ninguém o faz por que quer se sentir mal, todos o fazem para se sentirem melhores do que estão e isso ocorre por que se está vivendo mal e busca-se tornar menos pior, a tortura que em que se transformou a vida.

Na escolha de um entorpecente da mente como opção recreativa, reside a confissão de que o mundo onde se habita já não é capaz de lhe apresentar alternativas satisfatórias e por isso mesmo, foge-se para outro. A morte neste lento suicídio acaba por se tornar uma benção, perto da vida que se leva. Na raiz de quem se engana com a alegria química todos os dias, está a admissão da impotência frente aos problemas que enfrenta. Mesmo entre os que se reúnem para se divertir bebendo com os amigos após o trabalho, o encontro é um mero motivo para que coletivamente entorpeçam por alguns momentos, o intolerável de suas vidas. Após a décima cerveja, não há a quem possam convencer de que o fazem para “degustar” a bebida – ela nem mais tem gosto. Bebem hoje e agora, por que amanhã será outro dia intolerável.

No passado, o desconforto já teria motivado mudanças e as causas seriam removidas – a revolução francesa ocorreu nestas condições. Neste presente entorpecido, contudo, o desconforto justificou apenas um gradativo aumento da anestesia geral, da degradação da ética, da inação e da decadência no comportamento e no progresso.

No lugar das mudanças, produziu-se conformidade, impotência e a aceitação do aviltamento, sem reação ou devida indignação.

Tornou-se praxe a alegação de ignorância, mesmo entre a intelectualidade, para justificar a negação ou recusa da reflexão que se traduziu no estupor e na tácita aceitação da lenta corrosão de toda o esqueleto e a tessitura social, sem questionamento.

E para tolerar o mal viver, aceitando o inaceitável, o indignante, o ultraje diário e a impotência, o povo se anestesia, um pouco mais a cada dia...

Lucio Abbondati Jr


sábado, agosto 05, 2006

JOGOS E O APRENDIZADO


Todos os que já sentaram em frente a um tabuleiro de WAR (o jogo RISK, na versão de uma companhia brasileira), após uma ou duas disputas, mesmo sem que tenham realmente tentado decorar o tabuleiro, saberão onde colocar suas peças. Madagascar, Otawa, Polônia, Vladivostok e tantos outros territórios do jogo, como num passe de mágica, tornam-se conhecidos e suas localizações, fáceis de identificar.

Tal assimilação de informação se dá devido ao fato de que, não havendo exigência na memorização, esta ocorre naturalmente no decorrer do prazeroso exercício de jogar. O mesmo acontece em jogos da memória que associam palavras de idiomas diferentes ou elementos correlatos, jogos de perguntas e respostas (trivias) ou que utilizam cálculos. Nosso cérebro, desafiado a competir no espírito do prazer, assimila qualquer informação através da interação, sem opor resistência.

Se tal fato é conhecido, por que então este recurso é tão pouco utilizado no ensino formal?

A resposta para essa pergunta, suspeito eu, passa exatamente pelo fato de que o brincar é prazeroso. “Se não impõe sacrifícios, não implica em esforços e pode ser feito voluntariamente sem que haja a necessidade de impor à força, então não deve ser tão educativo”. A ótica de que o sofrimento melhor educa a alma, impregna a tudo, inclusive aos métodos pedagógicos tradicionais. Salas de aula não costumam ser local de diversão, mesmo que isso possa cumprir o objetivo de ensinar. E as regras dizem que recreio é um período limitado ENTRE as aulas e não durante estas.

A interação, entretanto, permeia a tudo no século XXI. Jogos de tabuleiro, cartas, games de computador e videogames, RPGs e todo os outros mais variados tipos, encontram-se em toda parte, ocupando espaços nas TV, nos celulares, na internet, nos jornais e revistas e nas lojas, tanto para crianças quanto para adultos, numa profusão de variedades. Interações com os alunos, contudo, encontram-se fora da escola.

Até quando? O que será necessário para que os que detém o controle sobre as estruturas do ensino formal percebam a falência deste modelo, ante a toda a interatividade que as outras mídias propõem? Como fazê-los notar que o sistema do monólogo do professor para com o aluno fracassou retumbantemente, como meio de atração e curiosidade?

A escola já se encontra hoje no último lugar onde os alunos esperam obter um conhecimento válido para a vida. Afinal, o que eles poderiam esperar de um sistema onde a fonte de informações formal foi ultrapassada por todos os outros meios de obtenção do conhecimento? Muito pouco. Ouvi de um grupo de estudantes a simplística explicação de que o motivo de terem de estudar tantos anos nos colégios, residia apenas no ser aprovado no vestibular e que após a prova, aí sim é que aprenderiam alguma coisa válida. Intrigado com esse conceito estapafúrdio, indaguei se eles não viam uma possível utilidade no que aprendiam nos colégios, que pudesse ser empregado em suas vidas. Um deles me disse exatamente isso, ante o concordar de todos: - Onde alguém vai usar isso que ensinam em sala de aula? E para o quê? – um resultado bizarro da explicação mais utilizada em sala de aula para justificar o ensino de informações descontextualizadas:

- Vocês devem saber isso, por que um dia vai ser útil.

Faltou ao professor dizer: onde, quando, por que, como e de que forma isso será útil à vida daqueles alunos. Na falta da interatividade e experimentação com a informação ensinada, constrói-se um absurdo – obriga-se a aprender sem saber para quê. O resultado não podia ser outro.

Jogar e brincar são formas máximas de interação. Um urgente estudo da aplicabilidade dos jogos na educação deveria estar tendo hoje total prioridade, uma vez que como tudo no mundo evolui de forma significativa, o ensino, que é justamente o que forma o indivíduo para ocupar seu lugar na sociedade, ficou ainda relegado aos cânones do século XVIII, quando o modelo do professor falante e dos alunos calados ouvindo, foi estabelecido.

Brincar é experimentar com possibilidades, e possibilidades são o que geram chances de inovação. Uma sociedade que espera evoluir, deve dar chance a seus filhos de poderem aventar novas formas de viver.

(extraído de nosso blog-irmão Criador de Jogos)

Lucio Abbondati Jr

quinta-feira, agosto 03, 2006

O LIVRO - UM PORTAL PARA A IMAGINAÇÃO (Cuidado! Indicado apenas para os que ainda continuam habitados)

Todos os que amam os livros sentem aquela fantástica sensação sempre que entram numa livraria (aos que não sabem do que estou falando, meus pêsames...) – a de que há um mundo infinito a ser descoberto nos volumes ainda desconhecidos e que por trás de cada prateleira, há livros que escondem outros, que levarão a outros e outros, num labirinto infinito de lugares, épocas, fatos e personagens a explorar na “terra incognita.

Descobrir uma nova preciosidade para o ávido leitor é um chamado às compras! Um motivo para saciar o mais urgente clamor da natureza, a “curiosidade da alma”. Ainda mais se o livro em questão for aconselhado por alguém que já o leu e lhe deu bons argumentos com olhos de paixão e encantamento – e não há endosso mais poderoso que os olhos apaixonados de alguém que verteu os escritos de um autor no “esplendoroso technicolor de sua imaginação”.

Ler um livro, é alcançar de um pedestal mais alto, conhecer e desvendar o segredo das páginas fechadas, contido e selado pelo autor, atrás da capa. Quem já passou por isso sabe que estas imagens entranham até o fundo e incorporam-se para sempre no ser de cada indivíduo.

Para um ávido leitor, descobrir-se entre os que não leram uma obra discutida em um animado grupo, é o mergulhar num submundo do desconhecimento, da ausência do mistério, sem pistas das causas e motivações, ignorando personagens, segredos e razões da história.

Aqueles que já experimentaram na leitura, a liberdade nos vôos altos da imaginação nunca mais olharão a terra como seu meio natural, o céu agora é a sua estrada e sempre mais alto, sua altitude preferida.

Algumas pessoas contudo não lêem e até se orgulham disso. Conheci um político idiota, que até se vangloriou disso na TV. Entristeceu-me perceber a sua aparente incapacidade de verter as palavras em imagens, mas consolou-me lembrar que este é um céu provavelmente destinado apenas aos que conseguem desgrudar seus olhos do chão e olhar para o alto, uma capacidade provavelmente não disponível a todos.

A leitura de cada livro é uma experiência única e irreproduzível. Suspensa no tempo e no espaço, ela está presa historicamente ao momento e ao conhecimento que aquele leitor trouxer em sua bagagem prévia, com o qual fará a compreensão e o entendimento. Se relido posteriormente, mesmo assim este parecerá totalmente diferente a seus olhos de leitor. Ainda que a versão do texto permaneça a mesma, o indivíduo é que terá mudado – as vivências que este tenha passado entre a leitura anterior e a posterior se somarão na interpretação dos parágrafos e novos entendimentos se formarão dos conceitos em suas páginas. Não importa quantas vezes lido, um mesmo livro sempre se enriquecerá com as novas experiências vividas por seu leitor.

Ler é um sonhar acordado, graciosamente concedido pelo escritor, para o deleite da imaginação. Como um guia, ele aponta caminhos para que o leitor possa colori-los e povoá-los em sua mente, num trajeto limitado apenas pela liberdade e criatividade de cada um.

Lucio Abbondati Jr

quarta-feira, agosto 02, 2006

A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA SOCIEDADE DO SÉCULO XXI - PALESTRA UFF - 28/07/2006

Gentilmente convidado pela Professora e Mestra Rejany Dominick, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, no dia 28 de julho de 2006 tive o prazer de proferir a palestra “Paidia – A Importância do Lúdico na Sociedade do Séc. XXI”, no auditório Florestan Fernandes, da UFF, como parte das atividades inaugurais do Centro de Aprendizagens, Pesquisa e Extensão, com o lançamento do CABE (Cultura, Corpo, Arte e Brinquedo em Educação), pela Faculdade de Educação. Dividiram o “palco” comigo, as professoras Lucia Fidalgo, que nos contou uma linda história e Maria Lucia Cunha Lopes de Oliveira da Faculdade de Educação, com sua palestra “Artevida”.

O que mais chamou a minha atenção foi o fato de que já há em curso nestes centros acadêmicos, uma real e necessária mudança nos paradigmas do que é o verdadeiro sentido da educação, contemplando uma compreensão não linear de conceitos.

A receptividade do público as idéias de que a equivocada escola iluminista (centrada na visão de que o aprendizado visa apenas formar trabalhadores) perdeu sua validade e a possibilidade de vislumbrarmos grandes mudanças na forma de construir informação e conhecimento, me pareceu finalmente estar tornando-se um sólida realidade.

Como resquício deste aprendizado do século XVIII, ainda hoje em nossa sociedade, classificam-se as pessoas pelo ofício que exercem e este “rótulo” define todas as relações sociais e interpessoais.

Muitos em nossa sociedade ainda querem fazer crer que o ser humano pode e deve ser valorizado apenas pelo rendimento que puder obter no exercício de uma profissão. O valor de um indivíduo ainda é hoje quantificado pelo sucesso financeiro que este obtém em seu ofício, esquecendo-se que somos bem mais do que fazemos em nossos trabalhos.

Quantos são aqueles que ganham “rios de dinheiro” no exercício profissional diário, considerados como bem-sucedidos e que “torram” a maior parte do recebido nos consultórios médicos e nos medicamentos, para tolerar a péssima qualidade de vida que levam?

Quantos são os que “surtam” aos 40 anos, ao olharem para trás e perceberem que nada construíram em suas vidas de significativo, além do exercer de uma labuta diária, que além de vazia e intolerável, de nada serviu para que estes se sentissem realizados em suas vidas? E a que preço? A perda de relacionamentos efetivos e afetivos com esposas, filhos e amigos, a inexistência de um espaço pessoal significativo, do tempo de reflexão, do exercício da criatividade e da manifestação pessoal no dia a dia.

A inexistência de objetivos e metas pessoais parece permear todas as pessoas de nosso século, que quando indagadas sobre o que lhes dá prazer sequer sabem distinguir passatempos de realizações. A grande maioria nem lembra mais de seus talentos, nem de suas manifestações criativas, do exercício pessoal de sua criatividade, inerente a todas as crianças que um dia estes adultos já foram.

A desqualificação dos talentos pessoais e a destruição sistemática da utilização da imaginação e do exercício da criatividade nos colégios, é uma constante que a pedagogia iluminista legou a estas dezenas de gerações, com profundos reflexos em nossa sociedade atual. “A obrigação vem em primeiro lugar”, dizem os sábios de plantão e quando esta acabar, uma nova obrigação o estará esperando e outra sucessivamente, até que cada um esteja bem treinado em cumprir as ordens sem questionar sua validade ou pensar por si mesmo - um sistema robótico de programação.

A manifestação artística ficou relegada a uns poucos subversores da “máquina pedagógica”, que ousaram firmar o pé e continuar exercendo seus dons criativos, mesmo contra toda a grande resistência do meio social, doutrinado a ferro e fogo a considerar tais manifestações inúteis e pouco pragmáticas.

Esquece-se o meio social, de que as mudanças das quais a sociedade se nutre, provém exatamente destes subversores. Sem eles, estaríamos condenados a estagnação social e a perda de um necessário progresso nas relações sociais, na evolução tecnológica e no conhecimento.

O trabalho manual, depreciativamente rotulado como “artesanal”, tão desqualificado na comparação ao exercício intelectual, é confundido erroneamente como uma manifestação menor e não como uma expressão da criatividade pessoal. Aquele que o faz é inclusive tratado como alguém que não teve capacidade de arranjar uma boa ocupação em algum lugar. O fato leva o meio social a falsa impressão de que o uso das mãos como exercício de criatividade é uma demonstração indigna e pouco relevante. Com isso, são raras as pessoas que em seus momentos de privacidade pessoal, utilizem as mãos para o exercício de talentos ou a produção de manifestações criativas.

Entretanto, os cientistas contemporâneos ligados à pesquisa da cognição e da linguagem, sugerem hoje que a capacidade de expressão da inteligência humana, é essencialmente decorrente da utilização e especialização que nossos primatas ancestrais deram ao uso das mãos, tendo sido este o fator que nos diferenciou primordialmente dos outros animais. Tal fato parece bastante lógico, se lembrarmos que a área motora que compreende o uso dos polegares no encéfalo, é absolutamente gigantesca em relação a todas as outras, estabelecendo sinapses entre seu uso e todos os centros cerebrais a ela interligados. A atividade manual é o exercício prático do que o intelecto planeja, sendo portanto, sua extensão essencial. A teoria é ótima, mas a prática é quem a corrobora e lhe dá validade.

A extinção das cadeiras de artes ou música na maioria das escolas, onde o uso das mãos ganha diversidade e prática livre, revela-se agora um enorme contra-senso, profundamente lesivo ao desenvolvimento dos alunos. A ausência do exercício manual sob o comando combinado da imaginação e inteligência, poderá determinar o quão incapaz frente a vida, um ser humano poderá ser quando adulto e o quanto uma sociedade poderá estagnar na ausência do pensamento criador.

Foi enorme a minha satisfação ao verificar neste congresso, que o desvio adotado há quase trezentos anos rumo a imbelicilização humana começa agora a ser questionado e que novas possibilidades pedagógicas estão sendo vislumbradas nos horizontes daqueles que fazem da construção do conhecimento, o seu sacerdócio. Parabéns a todos os que querem restituir ao homem, o seu destino criador.

Lucio Abbondati Jr

terça-feira, agosto 01, 2006

P É R O L A S ...1 - A Sabedoria dos Contos de Fada

Nesta seção você encontrará trechos escolhidos de textos para inspirar e orientar uma reflexão mais profunda sobre diversos temas que fazem parte de nosso cotidiano. Boa leitura e aproveite !

Lu Abbondati

“Essencialmente acredito que é útil e fundamental para aqueles que mais conhecem e amam a criança apresentá-la às realidades mais complexas da vida. Por exemplo, ouvimos pais dizerem:” Bem, não sei se devo contar ao meu filho coisas sérias. Não sei se devo falar de morte, doença, ódio ou guerra “. É claro que se deve contar aos filhos tanto histórias feias quanto bonitas. Toda criança deve receber o mapa e o treinamento para penetrar as florestas claras e sombrias do mundo. Omitir que há violências, más opções e grandes paixões que subjugam a mente, e não ensinar à criança como proteger sua alma, a enfraquece.”

“É preciso ser dotado de certo tipo de mente criativa, espiritualizada, desejosa de aprender, crescer e se desenvolver constantemente para entender uma idéia ou um ideal em profundidade. Eu diria que quando se lêem histórias para crianças, nossos filhos estão aprendendo em um nível e nós em outro. Adoro imaginar adultos lendo histórias para si mesmos.”

“...E é o pensamento simbólico - a capacidade de imaginar níveis de significação ligados a um único motivo ou idéia – que nos permite inventar, inovar e produzir idéias originais, com resultados muitas vezes surpreendentes. Se a linguagem dos símbolos é a língua materna da vida criativa, então as histórias são o seu veio principal.”

Contos dos Irmãos Grimm
Dra. Clarissa Pinkola Estés
(de "Mulheres que Correm com os Lobos" – imperdível !)
Editora Rocco

segunda-feira, julho 24, 2006

DA ESPERANÇA E DA FALSA ESPERANÇA -------- (da série Pareceres)


Quando a Caixa de Pandora foi aberta e os males invadiram a humanidade,
dizem que restou em seu interior, num cantinho, bem escondida,
esta tal de Esperança.


Esperança que ocupa a boca de muita gente que espera e nada faz,
porque espera.


O que espera ?


Espera por algo ou por alguém que lhe tome no colo, proteja, abrigue,
que tome as rédeas de seu destino e que não lhe obrigue a fazer escolhas.
Tudo democraticamente, é claro!


Esperança que dizem ser a profissão do brasileiro, que espera e nunca alcança, que deseja e sonha deitado eternamente na Esperança.


Esperança falsa, mentirosa, que ilude, acovarda, acomoda.


Esperança de “grande pai”, de “salvador”, daquele que fará por nós, que
somos tão incapazes...


Durante muito tempo usamos Esperança como sinônimo de Fé – em outrem, dogmática e inatingível.


A Esperança venceu e nos deu “um presidente paz e amor” porque esquecemos de sua morada original – a caixa de todos os males – o que faz todo sentido.


Instigo a que troquemos a palavra para transformarmos o conceito, do eterno e inútil esperar da Esperança, para o ativo, premente e verdadeiro ato da Coragem.


Que Fé e Esperança sejam, de agora em diante – Coragem!


Assim, talvez, ainda possamos nesta encarnação vivenciarmos a diferença de um novo paradigma.

Lu Abbondati

domingo, julho 09, 2006

A CRIATIVIDADE E A INSANIDADE NORMAL

Para as pessoas que ainda desconhecem, a revista "VIDA SIMPLES" da Editora Abril é muito interessante e costuma trazer a baila, temas bastante atuais sobre a qualidade de vida.

No número 42, de junho de 2006, ela traz uma matéria de capa falando sobre a criatividade e a capacidade de incrementá-la (VOCÊ É ARTISTA), na qual tive o prazer de ser um dos colaboradores e entrevistado. Você pode lê-la na íntegra aqui, clicando no link a seguir: VOCÊ É ARTISTA

Ao longo de uma vida, a capacidade de ser criativo é sistematicamente soterrada ou acorrentada, até que maioria dos indivíduos acredite ser ela um dom divino relegada a poucos escolhidos. Um ledo engano.

Como característica da raça humana, todas as crianças fazem “arte”, tomando-se a palavra como uma metáfora para as escolhas que se desviam do padrão de reação habitual. Se para o adulto apanhar um biscoito numa prateleira alta só se aplica com o uso de uma escada ou cadeira, para a criança este simples problema suscita uma infinidade de possíveis respostas, que vão desde escalar a estante, empilhar os caríssimos livros para formar uma escada, derrubar a estante ou mesmo os biscoitos com uma vassoura, entre tantas outras possíveis soluções. Uma criança poderia formular dezenas de soluções para este problema tão simples: como comer o biscoito - o adulto, não. Este aprende a se contentar com a resposta mais adequada, que lhe disseram ser melhor. E não me refiro apenas a pegar o biscoito na estante.

Erra a criança ao pensar assim? Claro, diriam as pessoas – a cadeira ou a escada são soluções menos arriscadas mas, esquece-se a maioria, não são as únicas. A criança, na ignorância dos perigos ou do que foi considerado certo, não se furta a propor novas opções, coisa que os adultos descartam de imediato. O aprendizado de respostas consagradas não deveria suprimir a formulação de novas possibilidades, afinal, os tempos mudam e o que hoje pode ser a melhor solução, amanhã poderá ser uma rematada tolice (um dia a terra foi considerada plana pela grande maioria...)

Várias são as causas para a aniquilação da criatividade nos adultos, mas a abolição da interatividade no aprendizado, desvinculando-se a teoria da prática, certamente destaca-se das demais. O que se propõe basicamente no ensino, obedece a esta terrível cartilha:

  • Sufocar a curiosidade natural,
  • Aprender não o que se deseja, mas o que está previsto no programa,
  • Convencer-se de que para cada problema, só há uma única resposta válida, mesmo que não seja assim na vida,
  • Assimilar que regras são mais importantes que a prática,
  • E principalmente, aceitar tudo sem questionar, porque talvez um dia aquilo possa ser útil...

Resultado? Apenas mata o gênio que habita em cada um de nós. E um adulto assim formado, se comportará como algo bem próximo a isto:


APRENDIZADO PARA UMA INSANIDADE NORMAL


Ouvir, mas não falar.

Olhar, mas não tocar.

Valorizar apenas o que outros disseram.

Responder, mas o ensinado.

E só a resposta certa - uma única, para cada coisa.


Não propor alternativas,

não sugerir,

não opinar.

Questionar? Talvez, mas não divergir.

Calar.


Produzir, mas só o exigido.


Imaginar? Só depois, num momento que nunca chega...

Não inventar; não desviar do trajeto seguro.

Conformar-se. Não se revoltar.


Enlouquecer, mas só um pouco, todo dia.

Que fazer? Surtar?


A vida é assim; acontece com todo o mundo...


Até quando?

Até quando?


Até quando?

Lucio Abbondati Jr

quinta-feira, junho 29, 2006

COMO UMA CASA NO CAMPO


A segunda casa do mapa astrológico é originalmente de Touro, signo fixo de Terra, aquele que fertiliza e ara os campos, prepara para o cultivo e sensualmente vivencia as estações. É a casa dos bens e dos valores. Aquilo que se valora, aquilo a que damos valor. Cada um de nós conforme nossos princípios e padrões.

É bem fácil entender.

Quem entra na minha casa percebe rapidamente o que valoro. São pilhas de livros, filmes, cd’s e arte de vários tipos de gente, de épocas e lugares diferentes. Plantas, retratos dos amados, corujas – de madeira, cerâmica, vidro e pedra; uma pequena coleção – e bichos de verdade, atualmente Bastet, a gata de 11 anos e peixinhos recém-chegados. Meu amado cão Spock virou estrela há um ano. Sinto saudades !

E o que mais ? Muito sincretismo: Iansã, Feng Shui, espada samurai, deuses japoneses, incensos, altares. Uma espiritualidade ampla permeia minha casa.

Sapatos, bolas, jogos e brinquedos, papéis, mochilas, casacos, às vezes meias ou bonés representantes legítimos dos moradores, da minha família querida.

Também tenho revistas variadas, muitas de turismo, outras tantas de decoração, mas a verdade é que minha bagunçada casa, com tantos objetos, com tantas coisas é repleta de vida, de histórias, de possibilidades.

Vejo casas lindas nas revistas, mas sei que ali são apenas imagens, que falta gente, que faltam odores além da tinta de impressão. Faltam gargalhadas, suspiros, silêncios.

A minha casa não tem jóias, nem ouro, nem dólar, nem prataria. Ela tem exatamente tudo o que eu valoro – família, vida, amigos e objetos queridos, e nada mais.

Lu Abbondati

DO APRENDIZADO DA COPA



Se foram 90 minutos do mais emocionante espetáculo ou do tédio mais profundo não importa, o que importa mesmo é a vitória !

Se foi de 1X0 ou goleada, ou mesmo de gol contra não importa, o que importa mesmo é a vitória !

Se o pênalti não existiu, se quebrou as costelas do adversário, se ludibriou o juiz não importa, o que importa mesmo é a vitória!

O que importa é a festa, a alegria, a cervejada, mesmo que seja tudo uma farsa.

Com esse tipo de mentalidade, como convencer que as virtudes são bacanas, que ética e jogo limpo devem ser princípios para toda uma vida, mesmo que seja uma vida simples, modesta, sem holofotes, sem muita festa, viagens, beijo na boca e capa de revista? Mesmo que seja com pouco dinheiro, extrato negativo e muito trabalho; mesmo que seja para uma vida de todo dia, não só de fins-de-semana, férias ou feriadão?

Mais fácil se corromper, mentir, esquecer as virtudes, se drogar um pouco mais e viver um entusiasmo esquizofrênico, midiático, fictício.

Na verdade, o que importa ?

Lu Abbondati

quarta-feira, maio 31, 2006

COMO NÃO FUI EU QUE FIZ ?

Milton Nascimento é um dos meus músicos preferidos, sensível, delicado, observador. Em uma de suas canções diz, "Como não fui eu que fiz?" (Certas Canções - Milton Nascimento/Tunai), abismado por reconhecer em outro trabalho, um reflexo seu. Musicalidade que poderia ser sua, composição que poderia ser sua. Sinto-me assim, muitas vezes, aos domingos pela manhã, faça chuva, faça sol, ao ler as crônicas de Martha Medeiros. “Como não fui eu que fiz?”.

Me revitaliza, inquieta, alimenta como todo bom texto cujas palavras, cada uma delas, fortalece a outra, cheias de significado, plenas de valor. Os temas cotidianos são os mais prazerosos, já que tenho uma ligeira queda pelas coisas simples, triviais, que quase sempre passam despercebidas. As árvores floridas de amarelo, esquecidas entre os prédios, ônibus, barulhos e sinais indicam o mês do ano e, às vezes, me enganam. Os sentimentos também me encantam. A emoção de ouvir histórias de outros tempos, contadas por avós que por momentos voltam a pular corda, a se enfeitar para um primeiro encontro, a suar de prazer. Como são maravilhosas as emoções de sempre, vivenciadas de tantas maneiras diferentes, tão iguais, absolutamente únicas.

Ler Martha Medeiros é assim, tão comum e totalmente ímpar. Meu deleite é partilhado com os filhos e o marido, que se emocionam com minha emoção e já aguardam os domingos, ansiosos como eu.

Leiam Martha Medeiros. Deixem-se invadir por suas palavras. Arrisquem-se a apreciar mais a vida, a ter menos certezas, a flertar com a dúvida.

Leiam Martha Medeiros. Ela é um excelente caminho de reflexão

Martha Medeiros escreve para a REVISTA, de O GLOBO, aos domingos.
E-mails para contato são:

cartasrevistaoglobo@oglobo.com.br
martha.medeiros@oglobo.com.br

Lu Abbondati

terça-feira, maio 30, 2006

ONDE A EDUCAÇÃO ATUAL ERRA


Há uma frase de Neil Postman, educador, sobre a qual deveríamos refletir:



"Quando
as crianças vão para as escolas, são pontos de interrogação; quando saem, são frases feitas".
Neil Postman (1931-2003)


Ela suscita quatro questões urgentes:

  • Era este o papel que nossas escolas deveriam desempenhar?

  • Seria essa a verdadeira função do professor?

  • É isso que queremos para nossos filhos ou para o papel que estes desempenharão no futuro?

  • O que poderíamos fazer a respeito, para mudar esse estado de coisas?
Pergunte-se você também e então aja, afinal, o futuro começa com o que fazemos no presente.

Lucio Abbondati Jr

segunda-feira, maio 29, 2006

PARA BUSCADORES

O filme-documentário “Quem Somos Nós?” que acabou de chegar nas locadoras em DVD, vem desde seu modesto lançamento nas salas de exibição, causando furor, polêmica, dúvida e reflexão. A divulgação boca-a-boca, a exibição para pequenos grupos, entre amigos, acompanhada de debates – viva a internet ! – gerou a melhor campanha de marketing que uma produtora pode desejar. Gente inteligente, inquieta, curiosa, discutindo, buscando mais informações sobre o tema e claro, falando, falando, falando.

Explicar física quântica para leigos não é fácil, mas os criadores de “Quem Somos Nós?” conseguiram um misto de filme bem humorado, com animação de primeira e especialistas diversos falando sobre ciência, cotidiano, espiritualidade, drogas, funcionamento do corpo, da mente e da alma, tudo isso de forma compreensível, o que é, no mínimo, uma façanha brilhante.

Dentre as muitas questões apresentadas, aprecio uma que explica o seguinte: “No cérebro a área que recolhe as vivências cotidianas e todas as emoções envolvidas é a mesma de quando imaginamos ou lembramos aquelas vivências.” Ou seja, nosso cérebro não diferencia realidade de ficção, memória ou imaginação. Em qualquer uma destas situações a mesma área do cérebro é ativada. Pensando nisso venho fazendo minhas próprias indagações e buscando respostas acabo encontrando novas perguntas. Hoje assimilamos a violência como algo absolutamente normal, resultado de vários tipos de discriminação, fatores econômicos, políticos e sociais, ausência de educação adequada e mil outras deficiências de nosso capitalismo moderno. Éééé, nosso sapinho está morrendo cozido há tempos! Entretanto, reconhecendo todas estas mazelas como verdadeiras e acrescentando este novo conhecimento trazido pela física quântica, vale pensar – se nosso cérebro não diferencia realidade vivida da ficção, será que todos os filmes, desenhos animados, documentários, gibis etc., que abordam de alguma forma a violência, são registrados como reais? Pense bem, estamos vivenciando, consumindo, assimilando aquelas imagens quando assistimos a um programa na tv ou na telona do cinema !? Ou quando imaginamos em uma leitura de suspense, policial ou drama a cena que estamos lendo e transformamos as letras em imagem no cérebro, será que nossa mente não distingue que aquilo não é real, embora suscite em cada um de nós uma série de emoções fortes ? Será que as situações de violência “normais”, “comuns”, não se tornaram absolutamente banais justamente porque estamos saturados pelos mais diversos crimes, pela corrupção de todo dia, pela ausência de valores elevados de convivência além do espelho de todas as mídias que consumimos ferozmente a cada momento ? Se nossos cérebros não distinguem cenas de violência, dor, morte, perdas em filmes – por exemplo, Predador, Matrix, O Albergue, O Iluminado, Cabo do Medo, A escolha de Sofia, todos os filmes de guerra... – e tudo fica registrado e conectado como real, torna-se possível compreender todas as fobias ligadas ao medo, ao terror. Lembram-se da Síndrome do Pânico, doença urbana “nascida” no fim do século XX? Pois agora ela faz muito mais sentido: medo real + medo fictício = mais medo real, pavor, horror, pânico.

E aí, como ficamos ?

Presto cada vez mais atenção naquilo que assimilo na tv, jornais, livros, internet e todas as mídias para me contaminar o mínimo possível. Não deixei de ver filmes de ficção – V de Vingança, por exemplo, é imperdível ! – mas lembro ao meu cérebro repetidas vezes que é ficção, aquilo não existe, é de mentirinha. Talvez ajude, não sei. Mas coloco esta questão para todos pensarem. O que estamos criando em nossas mentes torna-se realidade para nós. Precisamos de muito cuidado, de muita atenção para não criarmos, de verdade, os vilões e monstros da ficção. E não estou dizendo que vamos criar um Hanníbal com a cara do Anthony Hopkins , mas com a energia e o conceito do personagem...

Tem muito, muito mais em “Quem Somos Nós?” que embora pareça ficção, sei que é a mais pura realidade.

Obs: peguem o DVD na locadora e assistam também as entrevistas e o making-off que são excelentes.

Lu Abbondati

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